Daniel 23/03/2018
Histórias não tão avulsas
O talento literário de Machado de Assis dispensa apresentações. Nesta coletânea Papéis Avulsos, ele mais uma vez se mostra um mestre do conto, sintetizando através de narrativas curtas e minuciosamente construídas, com personagens peculiares e fascinantes, os mais diversos aspectos da natureza humana.
No conto/novela O Alienista, um dos mais célebres da obra, Machado tece uma crítica mordaz e bem humorada ao cientificismo predominante no final do século XIX, baseado nas crenças do postivismo e numa suposta "superioridade da ciência" sobre os valores humanos. O texto ainda reflete sobre o aspecto tênue da loucura, levando à questão central: quem são os verdadeiros loucos, os outros ou nós mesmos? Seria a loucura uma construção social, uma mera questão de ponto de vista? É essa a premissa que enreda a história de Simão Bacamarte e sua tentativa de construir um hospício, a Casa Verde, na pequena vila de Itaguai, e as consequências inesperadas (e hilarias) que esse ato traz para o lugar.
Outros contos, como Teoria do Medalhão, O Segredo do Bonzo e Na Arca, retratam a ganância humana, a facilidade de se subir na vida sem qualquer mérito em uma sociedade de aparências e a capacidade que os charlatães e falsos oradores possuem de enganar as massas, manobrando - as ao seu bel - prazer. Em A Serenissima República, o processo eleitoral da "república das aranhas" serve de crítica à corrupção e aos desmandos dos poderosos. Em O Espelho, apresenta uma interessante teoria sobre a alma humana e em Verba Testamentaria, demonstra até que ponto pode ir a inveja e egoísmo dos seres humanos.
Machado mostra-se, tal como o protagonista de O Alienista, um verdadeiro cientista da alma humana, procurando desvendar artisticamente todos os meandros da sociedade que o cerca e que prevalece até os nossos dias.