Kristine Albuquerque 22/08/2019
Suspense, ironia e crítica social.
[conto presente no livro Tripulação de Esqueletos]
O Nevoeiro é um conto bem mais completo, consistente e profundo do que muitos livros maiores o conseguem ser. A união entre ficção científica e suspense psicológico ultrapassou a década de 80 e influencia obras até os dias atuais, a exemplo de Stranger Things e Bird Box. Amei realizar essa leitura e também poder identificar a origem dessas referências que continuam a ser marcantes na cultura.
Uma forte tempestade chega em uma cidade do estado do Maine e causa diversos estragos. Prevendo o retorno desta, as pessoas vão ao supermercado local em busca de suprimentos. Mas o pior vem depois da tempestade: um inesperado nevoeiro se aproxima até estar por toda a cidade, e com ele estranhas criaturas que não são do conhecimento humano - e que logo se mostram predadoras.
A narrativa é ágil e objetiva, mas sem perder as características descritivas típicas do Stephen King. Há o foco no desenvolvimento do cenário, antes e depois do nevoeiro surgir, assim como a apresentação dos personagens, do mistério e de suas possíveis causas. Mas talvez o mais interessante seja o desenvolvimento da carga psicológica.
Os personagens, com suas personalidades, opiniões, histórias de vida e reações ao caos (sim, o autor consegue trabalhar tudo isso muito bem no conto!), se sobressaem ao próprio nevoeiro e retratam o crescente desespero e falta de esperança frente a uma situação desconhecida. Além disso, em toda a narrativa há várias passagens cheias de ironia que só contribuem para o aumento do clima dramático. Até mesmo o final, que fica aberto à imaginação de quem lê, é claramente uma ironia do autor, assim como uma breve discussão anterior sobre a divisão entre literatura culta versus comercial, inserindo aí uma pequena provocação. Também se percebe em segundo plano uma forte crítica social ao American Way of Life e seus ideais. Enfim, um conto com uma boa dose de tensão que nos coloca no lugar dos personagens e nos faz refletir sobre muitas questões.
Agora, falando brevemente sobre as adaptações. O filme de 2007 é bem fiel. Há algumas mudanças no desenvolvimento de alguns personagens, algumas cenas que não aparecem, e o final é uma interpretação do diretor para o final do conto, que é aberto. Ainda assim, eu gostei bastante do filme e também do final, que traz uma dramaticidade maior, mas coerente com a trama (embora eu tenha tido uma visão mais otimista). Já a série de 2017 é uma tragédia completa e eu não recomendo a absolutamente ninguém. Não há nenhuma relação com o conto, a não ser a presença do nevoeiro - e até isso é bem diferente. Na verdade, é mais uma fanfic malfeita do que uma adaptação. É tudo péssimo: as atuações, o enredo, os efeitos, os desfechos, as tramas paralelas... Foi uma tortura terminar os 10 episódios e logo que terminei fiz questão de esquecer tudo.