Rafael.Montoito 03/10/2021
Testemunho histórico
O holocausto nunca vai passar, pois as atrocidades que causou deixam marcas até hoje em qualquer pessoa que advogue pela dignidade humana - e se essas dores são sentidas por aqueles que não têm nenhuma ligação direta com a comunidade judaica, quanto mais o serão pelas pessoas que tiveram a vida de seus familiares marcada por essa barbárie?
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As marcas e consequências desse pesadelo histórico estão por todas as páginas desta incrível HQ que, por uma metanarrativa autobiográfica, abocanhou merecidamente o Pulitzer. Na história, Art Spiegelman, um cartunista americano, entrevista seu pai, sobrevivente dos campos de concentração, para, a partir de suas memórias, escrever uma HQ.
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Nela, o leitor acompanha as manobras de Hitler e seu partido para demonizar os judeus e as incontáveis tentativas dessas pessoas de viverem às escondidas, com todas as privações possíveis, seja de comida, de saúde ou humanidade. As relações de poder e de ódio também dão forma às personagens: os judeus são representados por ratos (daí o nome da HQ), tal qual eram vistos pela população alemã; já os alemães são gatos - gatos caçam ratos o tempo todo.
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A narrativa longa mostra todo o aclive da brutalidade alemã - é preciso ter em mente que as barbáries contra a humanidade não acontecem da noite para o dia, mas vão se instaurando pouco a pouco, se naturalizando, até serem fortes e coesas demais para que seja possível lhe oferecer resistência. Eis aqui uma obra literária que deveria ser lida e relida, em vários espaços, porque as HQs têm, devido à sua forma ilustrada, potencial para comunicar muito bem uma ideia.
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E já que nada nos impede de viver algo semelhante novamente - porque o bicho homem é o mais traiçoeiro e porque há inúmeras formas distintas de se provocar um holocausto -, a melhor posição de luta é estar bem informado e saber reconhecer os sinais dos sistemas autoritários.