Matheus Fellipe 11/02/2016
Uma coletânea de talento, imaginação e mistério...
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Deixando de lado a origem do meu livro, eu devo dizer que essa coletânea de contos é também uma coletânea de talento, de imaginação e de mistério! Joseph Hillstrom King, ou apenas Joe Hill, é para mim, assim como é seu pai Stephen King, um mestre do terror. Hill tem uma escrita ainda mais contagiante que a de seu pai, é ágil e sem preocupações, o que me agrada muito.
“Uma nova gota vermelha escorria de sua narina esquerda e seus lábios estavam sujos de sangue, mas a essa altura a atenção de Alec já se voltava para outra coisa. Os dois estavam sentados bem debaixo do facho do projetor, e insetos rodopiavam através da coluna de luz azul acima deles. Uma mariposa branca havia pousado no rosto dela. Subia pela sua bochecha, mas ela não reparou. Alec não comentou nada. O ar que tinha no peito não era suficiente para falar.” — FANTASMA DO SÉCULO XX, Pág. 38
O livro é composto por muitos contos e, mesmo eu tendo gostado muito da maioria deles, eu vou registrar aqui um pouco dos que eu mais gostei:
O MELHOR DO NOVO HORROR: Eddie Carrol é um cara apaixonado por boas histórias de terror. Ele organiza uma decadente coletânea anual chamada O Melhor do Novo Horror, só que há muito tempo ele não encontra narrativas diferentes, sempre é o mesmo clichê de sempre. Até que ele recebe a história de “ButtonBoy”, que já tinha sido publicada numa pequena revista universitária e que causou terror e repulsa pela perversidade da escrita. Ele ao contrário dos leitores da revista, amou tudo aquilo. Ele quer mais que tudo publicar o conto em sua coletânea e precisa contatar o autor para tal, só que aparentemente ele sumiu do mapa. Eddie parte numa caçada em busca do autor e acaba vivendo um verdadeiro conto de terror. Ele conseguirá encontra-lo?
“Alec tornou a se virar para a garota, e ela agora estava afundada na poltrona. Tinha a cabeça caída sobre o ombro esquerdo. Suas pernas estavam abertas em uma pose lasciva. Grossos filetes de sangue, secos e rachados, saíam de suas narinas, emoldurando sua boca de lábios finos. Seus olhos estavam revirados nas órbitas. Em seu colo havia um saquinho de pipoca esparramado.” — FANTASMA DO SÉCULO XX, Pág. 38
POP ART: Um garoto conta sua história e a de como foi ser amigo de Arthur Roth, ou apenas Art, um menino inflável que era branco, judeu, não falava, só escrevia bilhetes com giz de cera pois não podia se aproximar de objetos pontiagudos. Esse conto não apresenta nem um pouco de terror, é mais um drama sobre a amizade de um humano com um garoto balão. Mas é um dos contos mais loucos que já li e foi incrível o que Joe Hill conseguiu transmitir com uma coisa tão surreal.
VOCÊS IRÃO OUVIR O CANTO DO GAFANHOTO: Francis Kay acorda e descobre que virou um inseto, um gafanhoto de 1,50m. Ele conta que para se popularizar na escola comia insetos, de baratas a moscas e formigas, o que levava seus colegas à loucura por tamanha coragem e estranheza. Ele se pergunta se essa é a razão dele estar se transformando num gafanhoto, mas se lembra que viu algumas explosões a noite e que aquilo pode ter causado as mutações em seu corpo. A partir daí, só basta a ele aproveitar a vida no corpo de um inseto. Esse conto tem descrições repulsivamente fortes! Mas é ótimo!
“[...] Francis comia as baratas que lhe traziam. Enfiava mariposas com lindas asas verde-claras na boca e mastigava devagar. As crianças lhe perguntavam o que ele estava sentindo e ele dizia “Estou sentindo fome”. Quando perguntavam que gosto tinha, ele respondia “Parece o gramado da casa de alguém”. [...]” — VOCÊS IRÃO OUVIR O CANTO DO GAFANHOTO, Pág. 71/72
ÚLTIMO SUSPIRO: Alinger é um velho de 80 anos, alto e magro. Não bastasse sua aparência fantasmagórica, ele possui uma curiosa coleção, diferente de tudo que qualquer outra pessoa já colecionou, ele coleciona últimos suspiros: o silêncio que vem após a morte. Esse conto é um dos meus favoritos.
“— Espere. Existem muitos tipos diferentes de silêncio. O silêncio dentro de uma concha do mar. O silêncio depois de um tiro. O último suspiro dele ainda está aí dentro. Os seus ouvidos precisam de tempo para se acostumar. Daqui a pouco você vai conseguir escutar. O silêncio particular dele.” — ÚLTIMO SUSPIRO, Pág. 181
A MASCARA DO MEU PAI: Jack viaja com seus pais para um chalé que pertencia ao seu avô, que havia falecido recentemente, afim de vender alguns objetos que receberam de herança. Chegando lá ele se depara com uma casa antiga em que todos os espelhos estão cobertos e várias máscaras estão em todos os lugares. Por mais que o menino já esteja com 13 anos, sua mãe diz a ele que deve usar a máscara para se proteger das pessoas-carta-de-baralho que o seguiam (cá entre nós, ela é um pouco pirada). O conto possui um horror infantil, surreal, uma mistura das fantasias vividas nos sonhos. É um conto a lá Neil Gaiman.
INTERNAÇÃO VOLUNTÁRIA: O velho Nolan conta uma história de seu passado, sobre seu amigo Eddie e seu irmão Morris que tinha problemas mentais. Morris construía fortes e túneis com caixas de papelão, que dizia transportarem para outros mundos. Eddie e Morris estão desaparecidos e ambos entraram nos túneis feitos de caixas de papelão. Que mistérios envolvem essas caixas? O conto é bem fantasioso mas ao mesmo tempo é realístico, é complicado explicar o que ele passa, mas vale a pena ser desvendado.
“Fico olhando para o rosto do homem e, como nas histórias em quadrinhos, estrou tremendo de terror. Um leve movimento atrai meu olhar. Vejo uma mosca andando por seu lábio superior. O corpo da mosca cintila como metal. O inseto para no canto de sua boca, depois entra lá e desaparece, e ele não acorda.” — MELHOR DO QUE LÁ EM CASA, Pág. 119
Além desses contos, há muitos outros que merecem destaque como o FANTASMA DO SÉCULO XX, que dá nome ao livro e conta a história de um cinema em decadência devido a aparição de uma garota fantasma; OS MENINOS DE ABRAHAN, que narra as aventuras dos dois filhos de Van Helsing, o caçador de vampiros; O TELEFONE PRETO em que um garoto é sequestrado por um homem que diz ser um palhaço quando é confrontado sobre os balões negros que saem de seu carro; A CAPA, em que há uma capa no estilo super herói que deixa a pessoa levitando e que sempre trás alguma tragédia quando alguém a está usando; e o cômico BOBBY CONROY VOLTA DOS MORTOS, que se passa num velho shopping que está sendo usado como estúdio para a gravação de “Despertar dos Mortos” de George Romero.
As ilustrações usadas na resenha são do artista Vinny Chong, que ilustrou uma edição comemorativa. Foram poucos os contos que eu não gostei, mas levando-se em conta o conjunto, eu avaliei o livro em 4 estrelas.
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