Ari Phanie 18/09/2020Diário do SubconscienteQuando eu li a sinopse de Diário do Subsolo há algum tempo atrás, vi que a novela se tratava de um "discurso explosivo de um homem que vive no subsolo de um edifício". Levei ao pé da letra esperando encontrar o monólogo de um homem solitário encarando seu próprio eu. E de fato é isso, mas Dostoiévski em poucas páginas elevou algo que eu encarei com simplicidade a uma exploração febril ao subconsciente. E foi uma viagem mais intensa do que eu esperava.
O homem sem nome do subsolo é um ser aversivo que se considera melhor que todos e qualquer um, e passa um tempo demasiado trancado em si mesmo, afastando-se de quem quer que seja exatamente por se considerar superior. Mas, ao mesmo tempo que se julga excepcional, tem ódio de si mesmo. Em suma, ele odeia a todos porque acha que não são tão morais e inteligentes quanto ele, mas não consegue se desvincular de uma amargura e aversão por si mesmo. E essa combinação afasta todos, que é o que ele faz parecer que quer, mas é apenas uma repressão dos seus desejos. Todos os casos que o homem do subsolo conta são permeados por um caráter de repressão. Ele fantasia e filosofa, mas no fim, segue se negando e recalcando.
Para quem é da Psicologia, e freudiana, como eu, o livro é quase um estudo de caso. Não é uma leitura para se fazer despretenciosamente; é um pouco mais intrincada do que Crime e Castigo, e Noites Brancas, por exemplo, livros que já tive a oportunidade de ler. E eu acho que ele requer bastante atenção para captar os pormenores. Parece uma leitura rápida, já que só tem 120 páginas, mas os questionamentos, lamentos e protestos são complexos e peculiares.
Não posso dizer que gostei dele na mesma propensão dos outros dois. Na realidade, a primeira parte me pareceu confusa demais por se tratar de um fluxo de consciência e eu senti falta de me trancar num quarto sem nada para me distrair e tirar meu foco do que estava sendo dito, mas não pude fazê-lo. Já na segunda parte, que eu tive mais tempo para ler sem distratores, foi 100% mais imersiva e eu consegui captar melhor a essência do homem do subsolo.
Enfim, esse relato sombrio da psiquê de um anti-herói é nada do que eu esperava, e isso mais uma vez me comprovou o quanto o Dostô era um escritor incomum, nos levando sempre a reflexões tocantes e inesperadas. Não é uma leitura agradável, mas por ser tão pungente acaba sendo mais marcante do que se espera.
Só um adendo a mais: essa é uma das edições mais bonitas e bem-feitas que já vi. As letras são na cor rosa, bem como a capa e o recorte das páginas. E a tradução e notas são do Oleg Almeida. A Martin Claret juntou estética e excelência, e entregou um produto de qualidade suprema. Tá de parabéns a dona Martin Claret. Agora só me falta dinheiro pro resto da coleção. Amém.
"Antes ele (o homem) enxergava justiça na carnificina e, de consciência tranquila, exterminava a quem fosse preciso; agora nós achamos as carnificinas horrorosas, mas, não obstante, praticamos esses horrores, mais ainda que antes."
"Pode ser mesmo que o homem não goste apenas do bem-estar. Pode ser que, de igual modo, ele goste do sofrimento. Talvez o sofrimento lhe seja tão proveitoso, a ele, quanto o bem-estar."
"Está-me totalmente claro hoje que, por causa da minha vaidade ilimitada e das consequentes exigências em relação a mim mesmo, eu me examinava, muitas vezes, com um desprazer colérico, o qual beirava o asco, e por esse motivo atribuía, mentalmente, a minha própria visão a qualquer um."