Gabi Fernandes 29/04/2013
"Uma corça. Ela olha para mim e saí correndo por entre as árvores. Corro atrás dela, mas não a estou perseguindo. Estou correndo porque posso, porque preciso. Porque quero mostrar a ela até onde posso ir, antes de ser obrigada a parar."
“Belezas Perigosas” é uma ode à liberdade. Uma ode às virtudes da liberdade, e a seus vícios também, sem a menor dúvida.
Antes de ter tido a oportunidade de conferir a escrita da autora, eu já havia visto algumas dezenas de vídeos em que “vlogueiros” norte americanos se derramavam em elogios à Libba Bray e a sua série e principal obra literária, “Gemma Doyle”. Sendo assim, claro que eu tinha muita curiosidade e grandes expectativas em relação à escrita da autora e à série “Gemma Doyle”. Posso adiantar que, felizmente, minhas expectativas foram atendidas. “Belezas Perigosas” é um livro muito bom e que merece ser apreciado.
A questão é que é fácil entender o fascínio de tantos por um livro que trata, tal qual mencionei anteriormente, da liberdade. É instigante ler sobre as inúmeras possibilidades contidas em um mundo feito para se sonhar. Imagine um mundo em que tudo o que você sempre quis está ao seu alcance, em que você tem uma voz angelical e uma beleza estonteante, o homem dos seus sonhos, poder e onde reencontrará aqueles que você achara que tinha perdido para sempre.
“ Um mundo entre os mundos. Um lugar onde todas as coisas são possíveis. É onde a Ordem veio para meditar, para praticar sua magia, para se renovar através do fogo. Todo mundo vem aqui de vez em quando, em sonhos, quando as ideias são criadas(...) Na morte."
É tudo seu, é só sonhar. Ter tudo é só uma questão de querer, de se libertar, ao se despir de censuras, e desejar com todo o seu ser.
“ Não há ninguém por perto para nos reprimir. Ninguém para nos dizer que o que pensamos e sentimos é errado. Nós não fazemos tudo o que queremos, mas temos liberdade para querer."
Porque, no fim das contas, talvez, a realidade seja apenas, como bem frisou Virgínia Doyle, um estado de espírito. Uma questão de ponto de vista e crença. O oposto do universal. Talvez, a realidade dependa de cada um. Mais ou menos como a cena do peão que encerra a obra prima cinematográfica que é o “A Origem” de Christopher Nolan.
Gemma : - Eu estou com medo de que nada disso seja real. Mas é real, não é ?
Virgínia Doyle : - A realidade é um estado de espírito. Para o banqueiro, o dinheiro no seu livro-caixa é bem real, embora ele não o veja nem possa tocá-lo. Mas para o Bhrama ele simplesmente não existe, do modo como o ar e a terra, a dor e a perda existem. Para ele, a realidade do banqueiro é loucura. Para o banqueiro, as ideias do Bhrama são tão inconsequentes quanto a poeira.
Então, mais uma vez, é fácil manter o interesse em um cenário tão lúdico e, ao mesmo tempo, invejável. Invejável, sim. Não tenho, sequer, o menor remorso em afirmar isso.
Além do quê, a escrita de Libba Brey é refinada e ágil. Uma vez que se comece a ler este livro, mesmo que não se aprecie seu conteúdo, não será fácil largar a leitura antes do fim. O que eu quero dizer é que a escrita de Libba Brey é viciante assim.
A trama é ousada e imprevisível. Cheia de boas e emocionantes reviravoltas.
Os personagens são muito bem criados e desenvolvidos. Ame-os ou odeio-os, ou, melhor dizendo, ame-os e odeio-os.
“ Em cada um de nós existe bonadade e maldade, luz e escuridão, arte e dor, escolha e remorso, crueldade e sacrifício. Nós somos o nosso próprio chiaroscuro, o nosso peaço de ilusão lutando para emergir em algo sólido, em algo real. Porque tem muita zona cinzenta para ser trabalhada. Ninguém pode viver o tempo todo na luz."
Bem, para não dizer que eu só falei de flores, tenho uma crítica. Acredito que o maior defeito, a maior falta, deste livro resida na sua escassez de personagens masculinos. Sério, sendo bem coloquial, tá faltando homem nesse mercado ! Sem personagens masculinos, não tem romance. Aliás, até tem um romance, mas limitado assim como o número de personagens masculinos do livro. Kartik e Gemma protagonizam algumas raras cenas românticas empolgantes, mas mal desenvolvidas. Se, ao menos, fossem levadas a diante poderiam render bons arcos.
“Os dedos, fortes e seguros e não inteiramente indesejados, estão de volta, e a palma de sua mão está grudada em mim. Eu quero fugir. Eu quero ficar. Eu quero as duas coisas ao mesmo tempo. Sua boca encontra a minha. Estou presa à terra por escolha dele.”
Existem alguns gêneros literários que podem ser bem desenvolvidos sem um bom romance em seu enredo, outros, como é o caso da maioria dos “YA” sobrenaturais, que não ficam tão bem sem este ingrediente. Quer dizer, é como em “Academia de Vampiros”. A amizade de Lissa e Rose é importante e cativa o leitor, mas não dá para se agarrar só a esta relação da vida de Rose. Precisamos de seu romance com Dimitri para nos divertirmos mais lendo o livro.
O fato é que o saldo final do primeiro volume de “Gemma Doyle“ é bem positivo e eu com certeza quero conferir sua sequência “Anjos Rebeldes”. Espero que esta sequência seja uma ascensão e que Libba Brey mantenha as boas e pertinentes observações e narrações a respeito os vícios e virtudes da natureza humana.
"Nunca se pode conhecer totalmente uma pessoa. Por isso é que a coisa mais terrível do mundo é aceitar alguém em confiança, esperando que a pessoa faça o mesmo com você. Esse é um equilíbrio tão precário, é um espanto que se faça isso. E no entanto..."
E, verdade seja dita, no fim das contas, a verdade pode representar um terrível engano ou um perigo iminente.
"Ouvi dizer que Deus está nos detalhes. Acontece o mesmo com a verdade. Se você deixar de fora os detalhes, o ponto crucial, pode crucificar alguém com ela."