gleicepcouto 23/03/2012Uma mitologia moderna muito bem humoradaUma mitologia moderna. Basicamente é isso que o autor norte-americano S. G. Browne criou em Desastre, ao fazer com que pecados, virtudes e sentimentos se tornassem personagens que influenciam a vida dos humanos. O romance, distribuído aqui pela Editora Leya, é o primeiro lançado no Brasil, mas o segundo desse autor, que é conhecido pelo humor negro e sátira social.
Em Desastre, Browne nos apresenta Fabio, ou melhor, Fado, um cara responsável pela vida de dois terços dos humanos que tem um futuro fatídico, do qual não podem escapar. Fabio, ultimamente, não estava muito satisfeito com o seu cargo, sentia-se realmente desmotivado com as escolhas desastrosas de seus humanos. Tudo muda, porém, quando conhece uma humana, e uma centelha de esperança brota em seu coração – mudando a vida de grande parte dos humanos e até mesmo o dele próprio.
O livro é muito mais do que uma história de amor. Com um humor inteligente e várias referências à cultura pop, o autor usa o romance de Fabio e Sara como pano de fundo para falar sobre as várias facetas da natureza humana, suas escolhas ruins e, lá no fundo, a esperança de mudar.
É impressionante a capacidade que Scott tem de suavizar temas sérios para serem melhor digeridos. Mesmo em uma das cenas mais tristes no final do livro, não conseguia deixar de sorrir. Esse cara é um gênio. Arranca emoções que você sequer sabia que existiam em você. Confesso que a cada cinco páginas que lia, podia traçar paralelos da história com a minha vida e as escolhas (boas ou ruins) que faço. Creio se tratar de um livro autobiográfico para qualquer pessoa com uma sensibilidade maior de que um grão de arroz.
A narrativa é direta, sem rodeios, e dinâmica. Frases curtas, palavras de impacto e expressões significativas fazem a base do texto e dá velocidade a ele. O leitor tem que ficar ligado para conseguir aproveitar tudo o que o livro tem a oferecer: humor de primeira qualidade e (por que não?) sabedoria.
Os personagens são bem construídos, de tal forma que você se identifica com todos, até mesmo Deus (chamado de Jerry) e a Morte (Dennis). E isso às vezes é um problema: como encarar o fato de que você percebeu que tem muito em comum com a Inveja, por exemplo? Convenhamos que não é fácil. Sessões e mais sessões de terapia resumidas em um livro.
Scott vai ainda mais fundo na personalidade de cada sentimento/pecados/virtude, sempre os resumindo em uma frase. Por exemplo, o problema de Destino é que ela é ninfomaníaca, já o problema da Tentação é que ela é uma mentirosa crônica, enquanto que o de Carma, é que ele é alcoólatra, e por aí vai. Repito: gênio.
Tecnicamente falando, a parte gráfica, no geral, não me agradou o suficiente. A capa é até bonita com aquelas asas, mas achei forçação de barra tentar atingir o público da moda de anjos e afins, que, sinceramente, não acho que vai entender o livro completamente. As páginas na cor branca incomodam – somente aí entendi a importância do papel amarelado: bem mais confortável para a leitura.
Mas tudo bem, eu perdôo a LeYa. Isso se ela lançar também o livro de estréia de S. G. Browne, Breathers. Essa obra já teve os direitos comprados pela Fox Studios e, está sendo adaptado para o cinema, por ninguém menos que Diablo Cody – responsável pelo roteiro de Juno, que ganhou Oscar de Melhor Roteiro em 2007, e também pela série de TV norte-americana United States of Tara, baseada em uma idéia de Spielberg. Narrado do ponto de vista de um zumbi, conta a história de zumbis deixados à margem da sociedade em busca de seus direitos.
Bem, enquanto isso não acontece, a saída é ficar saboreando Desastre, que já ocupa o primeiro lugar na minha lista dos melhores livros que li em 2011 e, possivelmente dos últimos 5 anos – e de onde acredito que não vá sair tão cedo.
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