anicca 15/06/2021
Marco Aurélio desenvolveu escritos que, divididos entre doze livros, refletem a filosofia estoicista, sendo esta pautada pelo desapego material, temperança frente às benesses e aos horrores que a vida apresenta e resiliência mental, espiritual e física. Ele apresenta um pensamento comunitário, de amor e respeito para com o próximo, e reforça a importância de se buscar as virtudes a fim de melhor aproveitar o tempo que nos é dado em vida. Embora o formato seja curioso, afinal trata-se de um diário com lembretes de Marco Aurélio para si mesmo, um dos maiores imperadores romanos, tem um conteúdo riquíssimo em termos de inteligência emocional, autodesenvolvimento e vida social.
Alguns de seus princípios podem ser condensados em breves frases: a morte é inexorável e não há motivo para tentar combatê-la; o mundo e todos os seus habitantes são regidos por uma lei maior, cada qual seguindo um "roteiro"; guiar-se por seu próprio ritmo e crenças é melhor que deixar-se levar por opiniões alheias; conhecer as pessoas em sua essência é fundamental para extrair delas suas reais intenções e anseios; não é louvável perturbar sua comunidade com egoísmos e ignorâncias; sofrer por antecipação é o caminho mais rápido para perder o equilíbrio, enquanto procurar as virtudes é o mais rápido para a completude; amar ao próximo envolve corrigi-lo quando possível e, quando não, suportá-lo com paciência, estando ciente de nossa própria falibilidade; os eventos que a vida nos apresenta não são inerentemente bons ou maus, é a nossa reação a eles que lhes dá maior ou menor importância; não se pode evitar o sofrimento, mas neutralizá-lo à medida que se desenvolve uma mentalidade resiliente é viável; é preciso policiar-se e reeducar-se a fim de evitar os vícios, a quem ele se refere com: "é uma peste a corrupção da inteligência".
Um dos tópicos mais discutidos ao longo do texto é a morte, em que ele reforça a própria efemeridade e nega-se a temê-la, já que é natural. E talvez seja esse um elemento universalmente aflitivo, visto que cientistas, autores e toda a sorte de gentes se debruçam sobre ele. Um deles foi o diretor sueco Ingmar Bergman, que o abordou no filme "O sétimo selo". Aqui, um cavaleiro retorna das cruzadas a seu país e é abordado pela Morte, já que sua hora chegou, mas a convida para uma partida de xadrez sob o pretexto de ganhar mais tempo na Terra. É nesse ínterim que o filme transcorre e, em minha opinião, gera um dos melhores diálogos do cinema, que reproduzirei abaixo:
"? O vazio é um espelho. Eu vejo meu rosto e sinto delírio e horror. Minha indiferença aos homens me fechou totalmente. Eu vivo agora em um mundo de fantasmas, um prisioneiro em meus sonhos.
? Ainda assim, você não quer morrer.
? Sim, eu quero.
? O que está esperando?
? Conhecimento.
? Você quer uma garantia.
? Chame do que você quiser. É tão difícil conceber Deus com os sensos de uma pessoa? Por que ele tem de se esconder numa neblina de vagas promessas e milagres invisíveis? Como iremos acreditar nos que acreditam quando não acreditamos em nós mesmos? O que será de nós que queremos acreditar, mas não podemos? E quanto àqueles que não podem ou não irão acreditar? Por que não posso matar Deus dentro de mim? Por que ele vai vivendo em um sofrido, humilhado jeito? Eu quero tirá-lo do meu coração, mas ele ainda continua uma realidade assustadora que eu não posso me livrar.... Está me ouvindo?
? Estou te ouvindo.
? Eu quero conhecimento. Não crença. Não suposições. Mas conhecimento. Eu quero que Deus ponha sua mão, mostre seu rosto, fale comigo.
? Mas ele é mudo.
? Eu choro para ele no escuro, mas parece não ter ninguém lá.
? Talvez não tenha ninguém lá.
? Então a vida é um terror sem sentido. Nenhum homem pode viver com a morte e saber que tudo é nada.
? A maioria das pessoas não pensa nem na morte ou no nada.
? Até que eles chegam no final da vida e veem a escuridão.
? Ah, esse dia...
? Eu percebo. Devemos fazer de nosso medo um ídolo, e chamá-lo de Deus.
? Você não é fácil.
? A Morte me visitou essa manhã. Estamos jogando xadrez. Esse adiamento me permite fazer uma tarefa vital.
? Que tarefa?
? Minha vida inteira tem sido uma procura sem significado. Digo isso sem amargura ou auto-condenação. Eu sei que é o mesmo para todos. Mas eu quero usar meu adiamento para uma ação significante."
Para quem se interessar, é possível assisti-lo no youtube através do link https://youtu.be/A-rBzHIvoVA.