Ana 18/08/2023
Romance de estreia de Olivia Pilar conquista por sua delicadeza ao abordar as vivências de uma jovem negra no Brasil
Fiquei muito animada quando a Intrínseca anunciou esse lançamento, porque além do enredo ser chamativo por si só, a Olívia Pilar é mineira de Belo Horizonte. Isso já fez com que eu sentisse uma conexão imediata com a autora, porque eu também sou mineira e raramente encontro histórias ambientadas no meu país Minas Gerais. Um Traço Até Você, romance de estreia da Olívia, narra as vivências de Lina, uma jovem negra que está tentando encontrar o seu lugar no mundo.
Lina é uma personagem adorável, me conquistou logo de cara, porque ela tem várias camadas. É interessante, porque quem olha de fora só consegue enxergar a vida perfeita que ela tem: faz faculdade em uma das melhores universidades do país, vive em um bairro de classe média alta de Belo Horizonte, tem amigos fiéis e uma família unida... Mas sabe quando falta alguma coisa? Lina tem tudo isso, mas o que ela mais queria, que é o apoio dos pais para seguir a carreira de ilustradora, ela não tem. E isso inclui recursos para estudar no Chile.
A verdade é que Lina nunca quis fazer faculdade de Administração. Foi apenas a solução mais fácil, afinal, quem mais assumiria a empresa da família? Apesar de não gostar do ramo, ela resolve concorrer a uma vaga de estágio para guardar um pouco de dinheiro e finalmente seguir o seu sonho sem depender de ninguém. Ela consegue, é claro, mas com o passar dos dias percebe que o trabalho não é exatamente o que ela pensava, se tornando deveras incômodo. Quando seu caminho cruza com o de Elza e à medida que se aproximam, Lina se dá conta que esses desconfortos que sente, sobretudo quando suas capacidades são constantememente questionadas, têm a ver com a cor da sua pele.
Acredito que o maior triunfo de Um Traço Até Você é a narrativa, que consegue ser suave e realista ao mesmo tempo. É impressionante como Olívia Pilar constrói uma história sensível, mas sem deixar de mostrar uma das maiores realidades do nosso país, que é extremamente racista. Ainda assim, sinto que os acontecimentos, ainda que difíceis, foram expostos de forma objetiva, sem acrescentar dramas excessivos, e isso foi feito propositalmente. Esse é um ponto muito importante, tendo em vista que o público alvo dessa história são adolescentes e jovens em formação.
Além do mais, esse é um romance de autodescoberta. A Lina do início do livro não é a mesma Lina do final do livro, porque em determinado momento ela estoura a bolha e começa a perceber o peso de ser uma mulher negra no Brasil, não importando os privilégios que tem por ter uma condição financeira melhor. Ouso dizer que grande parte dessa crescente se dá pelo relacionamento da protagonista com Elza, porque é a partir dele que Lina passa a entender e questionar várias situações... Seja um olhar torto de um garçom em um restaurante caro, uma colega de estágio supervisionando seu trabalho, uma acusação sem fundamento algum...
Posso parecer um tanto controversa, mas minha única crítica a Um Traço Até Você é a introdução do enredo. Achei que esses primeiros acontecimentos, como o desejo de Lina de fazer um curso de desenho no Chile e até mesmo a forma com que ela e Elza se conhecem, um tanto corridos. Sabe quando estamos lendo um conto e as coisas se desenrolam meio repentinamente porque não existe espaço para desenvolvimento? Tive essa sensação durante os primeiros capítulos do livro. Essa dinâmica, porém, melhora bastante com o passar das páginas, principalmente quando são introduzidos os arcos com outros personagens. As interações de Lina com Amanda, sua melhor amiga, seus pais e os familiares da Elza não estão ali por acaso e fazem muita diferença na construção da narrativa.
Eu adorei ler Um Traço Até Você, terminei com o coração quentinho, com aquela sensação de esperança, não sei bem como explicar. Todos os personagens são muito inteligentes e queridos, a forma como a autora escreve é muito doce e eu nem vou entrar no mérito do livro ter uma das capas mais lindas que esse mercado editorial já viu! Eu já disse uma vez e repito: Olívia Pilar, você é grandona!
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