Drica 01/02/2023
Antes de começar a falar da história em si, cabe destacar o cuidado e o respeito aos personagens que se vê na tradução (irme Dex é não binário e chapéu de musgo não se identifica por nenhum pronome específico). Seria muito mais cômodo que a tradução escolhesse traduzir usando pronomes presentes no português para se referir tanto para irme Dex quanto para Chapéu de musgo, mas em vez disso a tradução se preocupou em manter suas identidades, usando por exemplo o pronome "elu" e "delu".
Foi uma escolha bastante corajosa, já que não temos pronomes neutros na língua portuguesa e sabemos o quanto esse assunto ainda é cercado por deboche, as pessoas em sua maioria invalidam o uso de palavras neutras.
Eu mesma cheguei a achar que um livro inteiro com linguagem neutra poderia se tornar cansativo, mas na verdade pouco se pensa sobre ao ler, é muito natural e fluído, além de que o sentido da escrita é bem claro, como tudo é só questão de costume - eu terminei o livro usando os pronomes e as palavras no automático ao me referir aos personagens/livro.
Fato é que a história foi escrita assim e foi incrível que se tenha respeitado isso, a tradução atendeu a proposta da escrita original.
Sobre o livro em si, nem sei o que dizer, ele é maravilhoso, me encantou de uma maneira, mesmo sendo curto ele não é raso, traz assuntos sensíveis cujo sentido reflexivo é muito latente.
Primeiro livro de uma saga, a história acontece em um mundo "futurista", sem toda a engenharia que se imagina, o que é explicado no livro, assim senti mais uma ambientação com aspectos mais naturais, eu mesma não sei explicar, só não senti tão claramente a presença das definições "ficção científica e mundo distópico" que se vêem ao pesquisar sobre a obra, estão ali, mas bem em segundo plano, sendo para mim bem indiferente na verdade, acho que o mais explícito é o meio de transporte de irme Dex, maravilhoso kkkkk,e claro, o fato de os robôs terem adquirido consciência.
Ainda, embora tenham alguns personagens que surgem vez ou outra, o foco é todo na relação e na troca entre irme Dex, um monge que se sente incompleto e descontente com a vida que leva, o que faz com que deseje virar um monge do chá, só nisso a gente já poderia ter um enredo completíssimo, basicamente, um monge de chá serve chá para pessoas conforme suas necessidades, elas desabafam sobre seus problemas (é quase uma terapia) e ele prepara o chá que julga adequado... E por um tempo isso da certo, mas então ele volta a sentir que não está feliz, que aquilo não é o que ele busca para si e decide entrar numa nova jornada atrás de sentido para sua vida... Nesse processo elu conhece Chapéu de musgo, robô que retorna, após séculos afastade da humanidade, atrás de uma resposta para a pergunta "de que os humanos precisam?".
Da busca de cada um surge a relação mais improvável e também mais incrível... Irme Dex e chapéu de musgo se unem para ajudar um ao outro a responder e sanar seus anseios... É fofo e delicado... Impossível não refletir sobre tudo, nossa necessidade de buscar pela satisfação, nossos descontentamentos, a busca continua por mais, mesmo quando atingimos o que antes parecia ser o que buscavamos, a necessidade de ter alguém que nos escute, de desacelerar e se sentir amparado, e, claro, do que precisamos... talvez, a diferença entre o que se acha que precisa e o que se precisa de fato.
Já estou ansiosa para ler os próximos livros.