Leila de Carvalho e Gonçalves 18/07/2018
Tigre Ou Jaguar?
O sucesso do filme "As Aventuras de Pi", lançado em 2013, trouxe a tona uma antiga discussão, envolvendo o livro homônimo do escritor canadense Yann Martel cuja a narrativa exibe a história de um menino que passa um longo tempo perdido no mar, a bordo de uma jangada na companhia de um tigre.
Para surpresa geral, quando lançado, o autor afirmou que o texto havia sido baseado numa novela de um escritor brasileiro, Moacyr Scliar, que conta uma aventura semelhante na qual um jovem fica a deriva num pequeno escaler junto de um jaguar. Foi mais além, criticou o texto, afirmando que se tratava de uma boa ideia, mas mal explorada, porém, "distraído", sequer lembrou de pedir licença para realizar uma nova versão da narrativa...
A confusão estava criada e as opiniões divididas, inclusive, foi aventada a hipótese da abertura de um processo por plágio. Sclyar não tomou essa atitude e todo o episódio está contado nessa edição, colocando um ponto final no assunto.
Com relação as duas obras, se elas guardam semelhanças, apresentam também muitas diferenças. Apesar das duas personagens realizarem uma viagem fantástica para chegar à América, a trajetória de Pi apresenta uma conotação religiosa e acaba quando ele chega ao Canadá. Quanto a Max, um judeu fugindo do Nazismo, a história segue até a velhice, apresentando sua luta para reconstruir a vida e vencer um trauma de infância.
Essa última fábula, muito mais abrangente, ultrapassa a perspectiva individual para apresentar uma visão histórica da época em que foi escrita. Em 1981, Max representava o Brasil, um país atormentado por um regime militar que perseguia seus adversários. Logo, ao enfrentar seus inimigos, ele representa a luta de um povo pela democracia e a garantia de seus direitos civis. Hoje em dia, essa história continua atual e evidencia a importância da superação dos medos, reais ou imaginários, para a formação de um ser cidadão capaz de buscar uma sociedade mais justa.
Particularmente, aprecio mais a novela de Sclyar de quem sou fiel admiradora. Sem dúvida, essa escolha envolve um quê de ufanismo como também por ter vivido esse processo histórico. No entanto, o livro de Martel, premiado e prestigiado, é encantador e muito bem escrito, portanto, fica a indicação das duas leituras.