Queria Estar Lendo 14/08/2016
Resenha: Ligações
Com uma escrita sensível e absolutamente típica, Rainbow Rowell nos entrega uma história simples e emocionante em outro de seus livros inesquecíveis, Ligações.
Georgie ama o seu trabalho. Ama tanto quanto ama a sua família. Quando a chance de criar e roteirizar uma série de comédia para um canal grande aparece para ela e seus companheiros de trabalho, Georgie precisa cancelar a sua ida até Nebraska para passar o Natal com a família de Neal. Neal é o seu marido, e ele não fica exatamente feliz pela mudança abrupta de planos. Por isso, Neal pega as malas, se despede de Georgie e vai com as duas filhas passar as festividades na casa dos pais, como sempre deveria ter sido. Sentenciada à própria solidão, Georgie encontra conforto nas ligações que troca com Neal - ainda que as ligações sejam feitas pelo telefone velho e antiquado da mãe e comecem a parecer mais uma viagem no tempo do que uma comunicação de fato. Georgie não sabe se está ficando louca ou se realmente está conversando com o Neal de 1998, mas sabe que tem uma semana para entender se o casamento deles no presente ainda pode dar certo.
A dinâmica entre a Georgie e o Neal acontece mesclando memórias do passado, do não-tão passado e a incerteza do presente. Georgie é de toda uma indecisão e medo, uma vez que sabe a crise pela qual o seu casamento tem passado. Ela viu Neal desistir de muitos sonhos para ficar ao seu lado, enquanto a própria Georgie desiste muitas vezes da família para dar prosseguimento aos próprios sonhos. Não por insensibilidade, uma vez que os dois se conhecem, mas mais por uma familiaridade dolorosa. Neal a conhece, sabe da sua natureza e da sua vontade de fazer as pessoas rirem através das suas comédias. Sabe que as chances de Georgie só vão existir se ela continuar escrevendo, continuar chegando tarde em casa, continuar se esquecendo de levar as meninas para a escola ou esquecendo de ligar de volta quando vê as ligações perdidas no celular. Mas, com a partida de Neal, fica difícil para Georgie entender o que se passa com ele; essa despedida foi para sempre? Ele ainda a ama? Ainda é o mesmo Neal doce e tímido que conheceu tantos anos atrás? Eles ainda podem ser felizes sem mudar a vida um do outro?
"A mãe dela sempre fazia muito drama com viagens de avião. E microcirurgias. E às vezes até para desligar o telefone. 'Nunca se sabe quando vai ser a última vez que você vê alguém, então não dá pra perder a chance de se despedir.'"
A Rainbow trabalha com sutilezas. É assim em todos os livros dela. Nada é escancarado, nada é totalmente exibido para o leitor. O romance está intrincado aos diálogos. As ligações significam tanto quanto a extensa descrição de um beijo. A delicadeza nos pensamentos da Georgie sobre o seu passado e a sua família e o quanto ela ama Neal e as filhas Alice e Noomi é indescritível. Rainbow te apresenta uma família enfrentando uma crise como qualquer outra família por aí poderia estar sofrendo. Neal tem problemas com Seth, o melhor amigo da Georgie, mas nunca expõe isso abertamente. Ele tem problemas com a ausência dela, mas respeita porque a ama e sabe que Georgie é assim. Georgie sabe que o Neal tem problemas com o seu trabalho e com o Seth e com o fato de, muitas vezes, ela escolher ficar com os dois em vez de escolher a família. Isso a perturba tanto quanto perturba o Neal. E tem o elemento do mistério envolvendo o telefone velho da casa da mãe da Georgie e aquela pulga atrás da orelha que te persegue junto à Georgie; ela realmente está ligando para o passado? O que ela precisa consertar para estar tendo acesso aos anos em que seu relacionamento com Neal também vivenciaram uma crise perigosa?
"- Eu te amo. - disse. - Te amo mais do que odeio todo o resto."
O sentimento de amor é palpável. Georgie ama Neal. Ela não o amou no primeiro momento em que o viu, nem no segundo ou terceiro, ou talvez com certeza o amou a partir do instante em que o conheceu. Neal nunca mudou muito e Georgie também não. Neal ainda é o rapaz tímido escondido atrás dos próprios desenhos, quieto em sua frieza, de expressões e olhares imperceptíveis. Ainda é o rapaz baixinho apelidado de Hobbit que vive em sua toca isolada, mas que encontra um diferente tipo de calmaria sempre que Georgie se aproxima. Ele é querido e amável e absolutamente apaixonado, mas sua maneira de demonstrar é muito mais por olhares e toques do que por palavras e ações. O Neal de 1998 é aquele com o qual mais temos contato por causa das ligações - ou não é o Neal de 1998 e Georgie está ficando louca, mas ainda assim nos familiarizamos com ele.
"Tem um telefone mágico escondido no meu armário. E acho que ele está conectado ao passado. E acho que tenho que consertar alguma coisa. Acho que tenho que corrigir alguma coisa."
Temos as meninas, também, filhas do casal. Alice e Noomi são crianças fofas e nós só as vemos através dos telefonemas normais que Georgie troca através do celular. Alice é a mais velha, Noomi é a mais bobinha, e ambas estão presentes pela mãe mesmo a uma distância tão grandiosa. Elas são a parte inocente da história, a ingenuidade da infância e o carinho do amor de uma criança. A mãe de Georgie, seu padrasto e sua irmã mais nova também trazem grande presença para as cenas, especialmente quando Georgie encontra conforto em sua antiga casa - preferindo passar seus dias ali do que na casa do presente, aquela vazia e solitária sem a sua família nela. Heather, a irmã, tem um desenvolvimento surpresa lá para o fim da obra, e eu queria ter visto um pouquinho mais sobre isso, apesar de não ser exatamente a história dela.
"Era fácil encará-lo porque ele estava sempre com os olhos baixos, colados na tirinha; não havia perigo de ser pega. E era fácil olhar para ele porque era gostoso olhar para ele."
Seth é o melhor amigo da Georgie desde sempre, e seu companheiro de trabalho. É por causa do Seth que a Georgie segue o seu sonho, por ele que eles estão prestes a conseguir esse contrato com a emissora dos sonhos. Seth não é, nem de longe, uma pedra no sapato; ele é aquele amigo presente, bonitão e conquistador, sempre determinado a colocar a sua moral para cima. Ele ama Georgie com todo o seu coração, e várias vezes o livro dá a entender que existe algo mais nesse amor. Georgie pertence ao Neal, mas Seth pertence à Georgie. Não existe nenhum romance na amizade divertida entre os dois, mas o coeficiente de ciúme perturba a mente de Georgie quando ela revive as memórias com Neal e sempre encontra Seth nelas.
"- Isso que é o amor, Georgie. Proteção contra danos acidentais."
Rainbow desenvolveu uma história adorável e querida, uma leitura rápida, familiar e fofa. Os personagens são reais, são quase seus vizinhos. A magia dos livros da Rainbow é a facilidade com que ela conta sobre os personagens, sobre como eles se tornam vivos nos livros. Neal e Georgie são pais, são jovens apaixonados, são marido e mulher que viveram crises e estão vivendo mais uma. Eles podem não acabar juntos ou podem continuar juntos para sempre. A riqueza da história é essa incerteza e como a autora a desenvolve até o fim.