Giulia 25/09/2020Um livro que tinha absolutamente TUDO para dar certoA impressão que eu tive ao ler O segredo das larvas é de que é um livro que tinha absolutamente TUDO para dar certo. A premissa da história é incrível, e a promessa de (finalmente) ter uma distopia que trate de questões raciais era tudo o que estava faltando. (Afinal, a gente lê o tempo inteiro histórias onde se acentua a relação de raça e desigualdade social, utilizando-se dessas marcações nos personagens, mas sem jamais explicar ou abordar essas nuances no texto). E, de fato, no início da história, é exatamente por esse caminho que o Volp começa a tratar do assunto.
Freya, a protagonista, possui o tom de pele mais claro que as pessoas na colônia onde ela vive e isso fez com que a vivência particular dela fosse distinta das outras pessoas da sua região. A questão é que, para mim, houve uma tentativa de abordar muitos problemas sociais ao mesmo tempo na mesma história e pouco tempo para desenvolvê-los.
E aí é que começam os problemas, na minha concepção. Nos deparamos com personagens bastante contraditórios e resoluções rápidas demais dos problemas apresentados que deixam o leitor confuso e com certo pé atrás com o desenvolvimento do enredo e dos personagens. Sobretudo, o que mais me incomodou na leitura foi a maneira tanto como as questões de misoginia foram tratadas, bem como a abordagem de personagens LGBTQIA+ ao longo da narrativa.
No primeiro caso, achei as cenas que abordam violência de gênero um tanto quanto agressivas e fiquei me questionando da real necessidade das mesmas. Tenho para mim que existem formas mais eficientes de mostrar um problema de tal magnitude acontecendo sem precisar mostrar tais abordagens violentas dessa maneira.
No segundo, como pessoal bissexual, me senti bastante incomodada com a maneira como a principal personagem LGBTQIA+ foi construída ao longo da narrativa. Não conseguimos chegar a uma conclusão clara se trata-se de uma personagem homo ou bi, o que não seria exatamente um problema se a personagem também estivesse confusa a respeito da própria sexualidade. Entretanto, nos é apresentada uma pessoa supostamente segura e consciente das suas atrações enquanto a própria narrativa contradiz essa verdade.
Para além disso, também me incomodou bastante a dúvida recorrente das personagens sobre se um certo personagem seria gay sendo que não houve qualquer motivo para gerar essa dúvida? E tratando-se de um livro narrado em primeira pessoa onde tais questões poderiam estar passando pela ótica da protagonista, entendo que poderia se tratar de opiniões avessas e preconceituosas da própria. Se foi esse o caso, entretanto, não ficou claro para mim.
Ademais, a discussão de classe é interessante. Não fosse a sensação de estar diante de discussões que foram desenvolvidas de maneira um pouco rasa, talvez eu fosse capaz de apreciar um pouco mais o livro.
O autor é um bom narrador, apesar de tudo. A escrita dele nos envolve e só não o faz melhor por conta do desenvolvimento das personagens. Deixa-me triste dar uma avaliação tão baixa para a história, principalmente porque a sinopse me conquistou e porque eu tenho a impressão de que o autor é sim capaz de desenvolver o plot com maior desenvoltura. Talvez um tempo a mais de distanciamento antes de sentar para a reescrita da história teria permitido uma narrativa mais fechadinha e bem estruturada.
Torço para a carreira e desenvolvimento do autor em seu trabalho. A estrelinha dessa história está doida pra brilhar.