Dan 06/08/2022
*Um poderoso clássico contemporâneo*
"A Casa dos Espíritos" não é só um apelo à necessidade da fantasia em nossas vidas, é também uma clara denúncia político-social: da truculência dos regimes autoritários, sobretudo os de direita, e de como isso reverbera no âmbito privado. A personagem Esteban Trueba é a personificação da tirania, do falso moralismo e de um conservadorismo hipócrita. O mais interessante é que Isabel Allende não esvazia a personagem Esteban num estereótipo direitista-conservador-cruel. Não. O desprezível Trueba, apesar de tudo, tem boas qualidades, é denso, cheio de contradições internas. Algo que um escritor ESCRAVIZADO pelo politicamente correto NUNCA conseguiria criar, já que o PC esvazia as personagens e, no lugar de dar alma a elas, enche-as de clichês. Arrisco dizer que Trueba é a personagem mais complexa da obra.
Vale ressaltar também que a gradativa passagem da atmosfera fantástica (da parte inicial do romance) para a verve mais realista da últimas páginas pode ser interpretada como uma alegoria de uma América Latina que, aos poucos, perde suas crenças e superstições por influência da modernidade, da globalização; além disso, o realismo cru das últimas páginas não só é um recurso estilístico mais eficaz para tratar do tema da violência política, mas também uma forma de sinalizar que em tempos ditatoriais há pouco espaço para o sonho, para a fantasia.
A meu ver, o grande trunfo do romance está no desfecho, que ressignifica toda a obra e ressalta sua mensagem mais poderosa: o perdão. Sim. Apesar de divergências ideológicas, dos erros trágicos, a verdadeira família supera suas amarguras, desavenças; sepulta o ódio em nome do amor. Perdoar é necessário. Uma mensagem urgente para uma época de extrema divergência ideológica, no qual o outro, que não compactua com minha ideologia, é um monstro a ser destruído, mesmo que seja, em certos casos, alguém da família.
Isabel Allende certamente é um dos últimos grandes nomes da arte do romance. O estilo conciso, simples, com toques poéticos e ao mesmo tempo preciso na caracterização psicológica das personagens é algo de um nível dificilmente encontrado em outros escritores ainda em atividade.
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Agora espero que mais alguns dos nossos ilustres escritores latino-americanos escrevam sobre os desmandos da esquerda, já que a corrupção pelo poder não é uma exclusividade da direita.