Rodrigo 21/02/2021
O amor nos tempos do socialismo (ou das ditaduras)
Eis um livro curioso, que se parece com um pouco de tudo daquilo que já foi escrito anteriormente, mas que, ao mesmo tempo, difícil de ser avaliado. Talvez, daqui a algum tempo, eu mude de opinião sobre ele e apague essa resenha rs.
Nos primeiros capítulos lembra a literatura de Gabriel Garcia Márquez e seus personagens envoltos com o sobrenatural. Não é um livro sobre crenças religiosas, mas as missas e outras cerimônias católicas se misturam às sessões espíritas e almas andarilhas. Também não é sobre feminismo, mas as protagonistas da família Trueba são mulheres à frente do seu tempo, na escolha de seus próprios rumos, na vida e no amor. E, não sendo sobre amor, ele está presente em diversas formas - o amor proibido, o platônico, o materno, o caridoso, o primeiro amor. Eu o vejo como sendo, antes de tudo, um livro sobre as relações humanas, e sobre as idas e vindas do destino em meio a um período convulsionante da história.
A autora narra a uma saga familiar de três gerações durante todo o século XX, na forma de ficção histórica e ambientada no Chile (mesmo que não seja citado uma única vez).
O que faz desse livro diferente, na minha opinião, é o fato de que, numa época em que o papel social da mulher era secundário, a liderança familiar moral dos Trueba era exercida pela matriarca; e lá estão todos os tabus, as expectativas pela criação dos filhos dentro dos padrões da época, a evolução da sociedade ao longo do tempo e os embates entre gerações.
Ao fundo, um retrato visceral do tempo em que os direitos trabalhistas e o sonho de uma sociedade menos desigual ainda eram uma utopia; tempo em que pipocavam levantes sociais inspirados por ideais marxistas em toda América Latina. Assim, os revolucionários são apresentados como heróis e os representantes conservadores assumindo o papel de vilões. Essa parcialidade se deve à própria história de vida da autora - sobrinha de Salvador Allende, presidente socialista deposto por um golpe militar, nos anos 70.
Por ser uma ficção histórica, fui pesquisar sobre o quão fidedignas eram as cenas descritas sobre esse período conturbado do país; confesso que foi difícil desatar o nó da garganta. O único problema é que, nos últimos capítulos, a autora resolve mudar de rumo, transformando-os num relato sobre os horrores cometidos durante o regime, como num grito de protesto, mas que acabou por desconectá-lo das 400 páginas anteriores. Ao final, me perguntei sobre o que ficaria na memória, se a vida de Clara, Esteban, Pedro e Blanca, ou o seu triste epílogo. Uma pena, eu o teria favoritado.
Ainda assim, pra mim que não li muitos livros escritos por mulheres e não conhecia a história do Chile, foi uma bela experiência. Estou muito grato.