Sara 18/05/2024
Terra arrasada!
"Fogo e Sangue" - primeiro volume - é o livro de George R.R Martin focado na ascensão da Casa Targaryen ao Trono de Westeros.
A espessura, inicialmente, pode assustar ao leitor que nunca leu as famosas "Crônicas de Gelo e Fogo", livros também conhecidos por serem um camalhaço. Eu nunca tinha lido nada de George Martin, mas a primeira temporada de "A Casa do Dragão" despertou essa vontade de finalmente entrar em contato com a literatura dele.
Fiquei surpresa com a facilidade da leitura, que tem uma fluidez excelente. Os parágrafos e frases são curtos e objetivos. O que mais chama atenção, obviamente, são os personagens, a linhagem Targaryen e suas figuras, ora cruéis em excesso, ora amáveis.
Os capítulos iniciais são deslumbrantes, repleto de dragões, aventuras, ousadias e muita crueldade. Destaque também para as personagens femininas, Visenya e Rhaenys. Duas mulheres que desafiaram o status quo e exerceram grande influência na política e no reinado de seu marido Aegon. Isso, por só, em relação a época retratada, é de se destacar. E não foi pouco o que elas fizeram.
Linhagem após linhagem, seria redundante dizer que Maegor, o Cruel, não fez jus ao seu nome. Foram momentos assombrosos e detalhadamente vívidos.
O que faz falta nesse primeiro contato com a família Targaryen recém-chegada ao Trono de Ferro, no entanto, são mais detalhes e aprofundamento. Afinal, são personagens muito sombrios e complexos. É traição atrás de traição, complôs, assassinatos, guerras, irmãos contra irmãos, em resumo, só desgraça para os que almejam sentar no trono de ferro. O próprio trono tem sua maneira única de castigar, como vemos mais para frente durante o curto reinado de Rhaenyra Targaryen.
É importante destacar que "Fogo e Sangue" não é um romance tradicional. Nas palavras do próprio George R.R Martin, ele é uma "história imaginada", escrita pelo historiador do seu universo fictício, o arquimeistre Gyldayn, da Cidadela de Vilavelha.
Esse ponto de vista é interessante, principalmente, por ser baseado nos relatos de septões, que conviviam com os regentes e registravam tudo oficialmente; mas também nos registros de bobos da corte e/ou outras figuras pouco confiáveis. Logo, estamos diante de fatos que nunca teremos certeza da veracidade - é a metalinguagem dentro da metalinguagem rsrs. Como tudo nesse universo é baseado no desejo de ascensão, qualquer registro é passível de dúvida. Mesmo os septões, essas figuras da fé, traíam e planejavam derrubadas.
Contudo, Gyldayn traz neste registro um olhar influenciado tanto pelo oficial, quanto pelo duvidoso, cabendo a nós, leitores, decidir em qual acreditar. É um recurso notável poder ter acesso, em alguns capítulos, a duas visões sobre uma mesma história - ainda que Gyldayn deixe claro qual dos relatos ele considere o mais palpável. E alguns desenlaces jamais saberemos.
Voltando para a narrativa em si, eu estava ansiosa para chegar aos eventos retratados pela série "A Casa do Dragão". Inclusive, é a partir desse ponto que o livro parece se debruçar, com todos os detalhes, sobre tudo que gira em torno dos pretos e dos verdes, de Rhaenyra Targaryen e Alicent Hightower. Não espere por grandes diálogos ou destaque para figuras que, por suas fortes características, sejam boas ou ruins, achamos que mereciam tal feitio. Cito como exemplo Daemon Targaryen, irmão do rei Viserys I e marido de Rhaenyra. Apesar dessa vontade por mais, acredito que temos acesso ao suficiente.
Nesse ponto da história, é difícil não tomarmos partido. Sou 100% a favor dos pretos rsrs. Fica claro o desejo do rei em tornar Rhaenyra, sua filha mais velha e do primeiro casamento, sua sucessora oficial, ainda que tal decisão bata de frente com a regra de que o filho homem mais velho é o herdeiro direto. Muitas Casas apoiaram sua decisão na época. Além disso, não podemos ignorar o fato de que Otto Hightower, mão do rei Viserys, é ambicioso e um grande estrategista. Ele queria outro herdeiro no trono - um com sangue da sua Casa -, logo, tudo já estava planejado a partir da aproximação de sua filha Alicent do rei Viserys.
É claro que ninguém é inocente nessa história. Nesse sentido, "Fogo e Sangue" é uma mistura de sentimentos. Crianças nobres precisam assumir seu dever como reis e príncipes desde cedo em meio a tramoias de seus séquitos. E todos eles são moldados pela guerra, seja do passado ou do futuro. É uma geração de pais e filhos assombrados pela carnificina e desejo de poder.
E em meio a tudo isso ainda temos os dragões. Como vimos, não há defesa contra esses seres. Quando não são usados como armas letais, eles são utilizados como demonstração de poder e ameaça. Apenas Targaryen contra Targaryen, montador de dragão contra montador de dragão, poderia provocar um destino ainda mais trágico neste reinado Targaryen manchado por fogo e sangue. E a temível Dança dos Dragões foi o resultado de tudo isso. Um rastro de destruição e morte.
O comportamento de Aegon III, o Rei Arrasado, é compreensível e talvez dialogue com os sentimentos mais íntimos dos leitores que se envolveram nessa trama. Entre inúmeros altos e baixos, e poucos momentos de felicidade e paz, "Fogo e Sangue" nos mostra o resultado de reinados lamuriosos e arrasados. Uma terra arrasada realmente.
P.S. 1:
Não se apeguem aos Targaryen rsrs.
P.S. 2:
Ansiosa pela parte 2!