Tita de la Garza 27/06/2011Todos os dramas são um drama de família!Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz a sua maneira.
A frase que abre o livro resume com perfeição a obra. Anna Karienina é um livro sobre famílias felizes e infelizes. As causas da infelicidade podem ser muitas: traições, brigas, falta de dinheiro, doença, ciúme, superficialidade de sentimentos, necessidade de manter aparências... É fácil fazer uma família infeliz. Já a felicidade exige empenho, e podemos acompanhar como personagens apaixonantes precisam aprender sobre o mundo e, principalmente, sobre si mesmos, para encontrar a felicidade e a harmonia.
A família feliz do livro nos mostra que alcançar esse estágio exige uma jornada. Se eles tivessem começado a sua família no ínicio da história, provavelmente teriam fracassado. Eles tiveram que amadurecer primeiro, saber o que queriam pra si e o quanto podiam doar pro outro, e só então estavam prontos para essa nova fase da vida.
*** SPOILERS E OPINIÕES PESSOAIS ***
Não gosto quando comparam Anna Karenina a Madame Bovary, Dom Casmurro e O Primo Basílio. Embora os quatro livros falem sobre traição feminina, Anna, Emma, Capitu e Luísa são diferentes.
Emma Bovary trai por tédio, Luísa, porque quer saber o que perdeu, e Capitu, bom, jamais saberemos. Anna é a única que se entrega ao verdadeiro amor. A única que larga tudo para vivê-lo também.
E Anna e Vronsky pagam um preço alto por esse amor. Pagam o preço do isolamento, do preconceito, da hipocrisia. A sociedade que aceita abertamente as traições do irmão de Anna, não perdoa uma mulher que se entrega à paixão.
E a sociedade hipócrita é tão poderosa que por fim, consegue quebrar um amor verdadeiro. Excluída da sociedade e impedida de ver o filho, Anna se torna reclusa, depressiva e ciumenta. Vronsky sente falta da vida que tinha antes, e mais falta ainda da mulher por quem se apaixonou um dia, e que já não existe.
O fim é trágico, é claro. Uma mulher transgressora não pode ser feliz. Mas não pode porque zomba da lei dos homens e deus ou porque os que não tem a mesma coragem estarão prontos para apedrejar e destruir? E ainda, se Anna tivesse resistido a Vronsky, teria tido um final feliz? Uma mulher presa a um casamento falido, sufocando o amor que sentia, dançando a dança das aparências como uma marionete sem vida, seria menos trágico ou mais trágico? Talvez a tragédia de Anna não fosse ter uma atitude transgressora, mas antes, um coração transgressor, que acabaria por lhe trazer a infelicidade independentemente de suas ações.
Além de Anna e Vronsky, temos vários outros personagens, cada um com sua trama, seus problemas, seus pensamentos. É como uma novela, onde cada personagem vai aparecendo de vez em quando, vivendo sua própria história, e acabam por criar um panorama abrangente da Rússia czarista. Porém esses personagens poderiam realmente fazer parte de uma novela atual. Seus dramas são atemporais, e o leitor certamente se identificará com alguns deles, pois há todo tipo de problema e todo tipo de pessoa nessa história.
O leitor desatento poderá achar um pouco chato ler sobre as questões agrárias, militares ou outros diálogos filosóficos que aparecem no texto. Mas se tirar alguns minutos pra pensar sobre eles, verá que estes ainda são pertinentes, pois as relações patrão-empregado, a relação do homem com a natureza, as desigualdades sociais, as intervenções militares, continuam sendo debatidas hoje em dia, e cada vez mais.
Há quem defenda que a grande lição do livro é que ninguém pode criar sua felicidade sobre a dor de outrem. Mas acredito que não há uma lição a ser aprendida, ou talvez haja uma infinidade delas. Há toda uma sociedade retratada no livro, e para cada personagem, assim como para cada leitor, há uma lição. Ou não!