Queria Estar Lendo 15/06/2018
Resenha: Tempestade de Guerra
Tempestade de Guerra é o volume final da saga A Rainha Vermelha, da autora Victoria Aveyard. A Editora Seguinte trouxe a publicação simultânea aqui para o Brasil e cedeu esse exemplar para resenha. Através de estratagemas políticos geniais e com um ritmo carregado de adrenalina, Victoria entrega aos leitores o melhor livro da quadrilogia.
Na trama, a guerra chegou. Com ela, as alianças e separações. De um lado, o reinado sombrio de Maven Calore e de Iris Cygnet, a rainha ninfoide que tem o controle sobre as águas e muitas pretensões de não se deixar sombrear pelos caprichos de Calore. Do outro, Mare Barrow, a Guarda Escarlate e o dito verdadeiro rei de Norta, Tiberias Calore.
Ele fez uma escolha; a coroa em vez do coração da garota que diz amar. E Mare deu as costas a ele por isso, porque ele é um prateado e não parece disposto a se curvar às vontades dos oprimidos - do povo de Mare. Em meio a essas maquinações políticas, o cerco da guerra se fecha e uma tempestade ascende sobre Norta. Uma tempestade que pode ser tanto uma revolução quanto a destruição total de tudo que existiu.
O final digno que eu estava esperando bateu todas as minhas expectativas e me deixou gritando do começo ao fim. Foram 699 páginas de muita ação, traições e reviravoltas emocionantes. Desde Corte de Asas e Ruína que eu não surtava tanto com um livro; Victoria sabia exatamente onde pisar e como falar pra me deixar com os nervos a flor da pele.
O livro foi todo construído em cima da ideia da guerra; das diferenças, das oposições, das ideias retorcidas de alguns contra os ideais revolucionários de outros. Tempestade de Guerra é uma bíblia de estratégias políticas e plot twists arrepiantes. As batalhas acontecem nas salas de reuniões, sob as diversas coroas batalhando pelo controle e, acima de tudo, no sonho de construir uma nova Norta, uma que não rebaixe seus moradores pela cor de seu sangue.
E foi construído em cima do poder feminino. Essa é uma guerra de rainhas; vermelhas, prateadas, sanguenovas. Um conflito baseado em tipos opostos de forças e de escolhas, todas erguidas à voz de mulheres imperiosas.
"- Rainhas também podem lançar sombras."
Minha parte favorita em todo livro foi o desenvolvimento desses embates. Desde os silenciosos, através de olhares e pensamentos e posturas, até a maneira com que os personagens reagiam às situações, como tomavam decisões, como moviam as peças no tabuleiro da guerra. Não existe um único personagem completamente certo, um único motivo totalmente nobre, uma única maneira correta de desenvolver o curso desse conflito. Mas existe a ordem e a justiça da Guarda Escarlate e existe o lado dos prateados, ainda guiados pela ideia de supremacia e de controle. E foi maravilhoso ver o poder nas mãos dos vermelhos; poder de decidir, de recuar, de erguer as suas vozes e mostrar aos opressores que podiam derrubá-los tão rápido quanto haviam ajudado todos eles a se levantar.
Mare é uma força imbatível, mas minha relação com ela sofreu grandes abalos dentro da história. Acho que, de todos os personagens, seu desenvolvimento foi o que a Victoria mais falhou em evoluir. Ela ainda é uma das minhas protagonistas de distopia favoritas, mas algumas de suas atitudes soaram imperdoáveis. Todas elas relacionadas ao seu coração; quando era movida pela família, pelo sangue, pela justiça, Mare carregava poder e ordem e era uma representação da luta dos vermelhos.
Gostei muito das suas interações com quase todos os personagens; Farley e Kilorn, principalmente, e o primeiro-ministro Davidson. Todos eles dividiram diálogos poderosos e questionamentos importantes para o andar da trama. Mostraram a Mare seus erros e acertos, fizeram com que ela se policiasse mais dentro da guerra.
"- Pare de choramingar, Calore. Você forjou sua própria coroa. Agora use-a. Ou desista."
Quando se deixava abater pelos sentimentos, ai foi o meu problema. A narrativa enfraqueceu muito a Mare por causa do seu coração e eu acho isso imperdoável; você tem a construção de uma guerreira rebelde imperiosa, que não se dobra para ninguém, para nenhuma coroa ou troféu, e vai se dobrar pelo coração? Ainda mais um que envolve tanta injustiça e hipocrisia? Ah, me poupe. O Cal é nojento e eu esperava mais da Mare em muitas das cenas em que eles interagiram. O troféu de papel de trouxa dela estava separadinho aqui; por sorte, algumas coisas no final reverteram isso. Foi muito coerente e estendeu uma trilha de crescimento ainda maior do que o que a Mare já tinha seguido até então.
"- Não me olhe assim, Tiberias.
- Não me chame de Tiberias.
- É o nome que você escolheu."
Como já mencionei o Cal, vale um parágrafo para explicar o meu desprezo infinito por esse cara. A decisão dele ao fim de A Prisão do Rei mostrou muito do seu caráter (a falta dele, no caso). Diferente de Maven, que é um monstro e ponto final, Cal se dobrava em desculpas e justificativas ridículas e ínfimas para mascarar sua hipocrisia.
Ele é um prateado como qualquer outro e, com a chance de fazer algo diferente, escolhe o conforto e o conhecido por medo do que o revolucionário pode trazer. Eu quis cuspir na cara dele durante todo o livro. TODO O LIVRO. O final não mudou nada, só piorou. Ele é o personagem mais esdrúxulo e mais asqueroso dessa série; bem construído e desenvolvido, sim, mas um duas caras que não merece o chão em que pisa.
"- Guerras não podem ser vencidas apenas por rostos conhecidos. Não importa quão brilhante a bandeira, quão alto o mastro. Precisamos de exércitos."
Evangeline Samos ganhou destaque como a melhor coisa que essa série já viu. Seu arco foi tão perfeito, bem pontuado, cheio de reviravoltas impactantes que eu quase fico sem palavras para explicar o quanto me apaixonei por cada capítulo seu.
"Sou magnetron. Reconheço aço quando vejo. E ela tem aço nos ossos."
A prateada magnetron é de um poder, uma voz, uma presença difícil de descrever. Uma jovem mulher ciente de sua força, de quem e como pode influenciar. Uma garota assustada com as possibilidades, ansiosa pela liberdade, nervosa quanto a servir sua família e provar seu valor. Ela sabe que é uma peça nesse jogo de poder, sabe que está ali para seguir ordens, mas existe uma voz em sua consciência e coração que pede por mais. E, aos poucos, Evangeline talvez se dobre a ela. Seu arco é tudo sobre as chances, sobre se agarrar às coisas impossíveis e encontrar pequenas esperanças dentro delas. Seu coração pertence a uma garota que não pode ter, seu futuro, a uma coroa que não deseja mais. São conflitos pertinentes e muito bem desenvolvidos pela autora durante toda a história da Evangeline.
E o final dessa personagem, meu pai é terno. Eu rolei pelo chão porque foi um dos melhores finais que já li; só achei que a Victoria falhou em não dar um POV para ela depois de tudo. Eu gostaria de ter lido um pouco dessa magnetron furiosa e destemida depois de tudo que ela decidiu fazer.
Outra figura feminina de grande destaque foi a rainha Iris, esposa de Maven. Uma ninfoide (controladora das águas) que é uma força da natureza por si só. Diferente de Mare, que é a justiça e a igualdade, e da Evangeline, que é a dúvida e a fúria, Iris é perigosa. Mortífera. Opressora, inclusive. Ela é uma prateada da cabeça aos pés e não dá pra sentir muita simpatia por seus ideais e sonhos - ela é como outros reis e rainhas antes dela, ansiosa para manter a ordem das coisas, por dobrar os vermelhos ao seu poder. Mas é uma personagem feminina tão bem escrita que é impossível não se admirar e impressionar com todas as suas cenas.
Junto à mãe, a rainha de Lakeland, Iris tem momentos gloriosos. Como eu disse, esse é um livro guiado por suas mulheres, por todas as diferentes vozes e ideais, sejam as justas ou as tiranas. As ninfoides de Lakeland são erradas, mas são inquebráveis. Não se curvam ou dobram perante ninguém.
A relação da Iris com o Maven é muito disso. De como ela se mantém nas sombras para que ele não veja seu real poder, porque existe mais em Iris do que ela quer que as pessoas desconfiem. O poder é dela para usá-lo como deseja.
"Meu irmão e eu temos algumas coisas em cmomum, no fim das contas. Ambos queremos a coroa e ambos estamos dispostos a sacrificar qualquer coisa para tê-la. Mas pelo menos eu, nos meus piores momentos, quando a miséria ameaça me sufocar, posso culpar minha mãe por isso. Quem ele pode culpar?"
Maven, inclusive, outro dos melhores personagens da saga. Desde o começo do livro até o fim, Victoria manteve seu ritmo incerto e sua postura rígida e destrinchou um arco soturno e ainda mais perturbador para o jovem rei quebrado. Maven é um monstro criado por outro monstro; é possível compreender suas decisões e o que o move porque ele não existe, de fato. É tudo maquinação da rainha Elara.
Maven é a consequência de uma tirana. Ele anseia pelo poder porque a voz de sua mãe exige isso, segue os caminhos sombrios porque não foi lhe dada nenhuma outra escolha. Eu amo esse personagem porque mesmo tão caótico, é possível sentir empatia. Diferente de Cal, Maven não nega que seu sangue e seus privilégios fizeram dele essa criatura mortífera, ansioso pelo controle. Diferente de Cal, dá para entender quem é Maven de fato.
"- Vocês se sentem tão ameaçados pelo povo em que cospem que não podem nem conceder algo simples como a liberdade?"
Farley, Kilorn, Davidson, Julian, os pais de Evangeline, os apoiadores da rebelião, os apoiadores do trono prateado. São tantos, tantos personagens e todos muito encaixados na trama principal que não dá pra falar de cada um. Só posso garantir que a Victoria entrega tudo impecavelmente e dá o tom e as decisões exatas para cada um deles.
Ação não falta para equilibrar com todas as cenas de estratégias e reuniões e tramoias políticas. A autora sabe como escrever uma batalha de tirar o fôlego, sabe como entregar a fúria de seus guerreiros da melhor maneira. As cenas da Mare e da Evangeline quando em batalha, inclusive, me deixaram sem ar. Era adrenalina pura escorrendo pelas palavras, nos levando até a tempestade e a guerra e à tensão incerta que conduzia aqueles embates.
"A eletricidade não tem piedade. E nem eu."
Os destinos dos personagens foram muito satisfatórios; com exceção do meu comentário sobre ter sentido falta de um POV diferente ali no fim, achei que os caminhos escolhidos pela Victoria foram corajosos e encaixaram perfeitamente com o que os personagens construíram para si no decorrer da série.
A edição da Seguinte está perfeita, como sempre. Um livro impecável, com uma tradução bem feita e diagramação ótima.
Vi muitos comentários sobre o fim aberto que Tempestade de Guerra teve e vou fazer minha colocação sobre isso: era necessário. Essa não é o tipo de história que termina com um felizes para sempre, com uma resolução fácil e perfeita sobre o que o mundo deles se tornou.
Essa guerra nasceu de uma rebelião, e rebeliões são construídas em cima de mudanças. Mudanças demoram a acontecer, levam tempo a se estabelecer, a ganhar forças. A guerra transformou o mundo da Rainha Vermelha, deu espaço para esperança e para incerteza, e por isso é um final tão bem encaixado em tudo que essa saga prometeu.
"- Mire e atire, pai. Não hesite. Os prateados não hesitam."
Foi um adeus e a promessa de que coisas grandes ainda podem vir. Não foi um fechamento, foi um recomeço. E por isso foi tão perfeito.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2018/06/resenha-tempestade-de-guerra.html