Liar1 10/02/2024
O muro
Página 25
No estado em que me achava, se viessem me avisar que eu poderia voltar tranquilamente para casa, que a minha vida estava salva, eu ficaria indiferente; algumas horas ou alguns anos de espera dão na mesma, quando se perdeu a ilusão de ser eterno.
Página 28
Aproximei-me. Levantou-se e segurou-me pelo braço, olhando-me como se quisesse me enterrar. Ao mesmo tempo, apertava meu bíceps com toda a força. Não fazia aquilo por maldade, mas era um golpe; queria me dominar. Julgava necessário também lançar seu hálito azedo no meu rosto. Ficamos um momento assim, eu com vontade de rir. É preciso muito mais para intimidar um homem que vai morrer. Aquilo não bastava.
O quarto
Página 56
- Existe um muro entre nós. Eu consigo ver você, conversar com você, mas você continua do outro lado. O que é que nos impede de nos amarmos? Parece-me que antigamente era mais fácil.
Erostrato
Página 75
Sou livre para gostar ou não de lagosta à americana, mas, se não gosto dos homens, sou um miserável e não posso encontrar lugar ao sol. Monopolizaram o sentido da vida.
Intimidade
Página 97
"Eu não compreendo Lulu, tem um temperamento muito estranho; nunca consegui saber se ela amava os homens ou se eles lhe desagradavam."
Página 115
Meu Deus, dizer que a vida é isto, que é por isto que a gente se veste, se lava, se enfeita e que todos os romances são escritos por causa disto, e que sobre isto se pensa o tempo todo e finalmente eis a que se reduz: a gente vai para o quarto com um homem que quase sufoca a gente e que no fim nos deixa com a barriga molhada.
Página 119
Nunca, nunca fazemos o que desejamos, somos sempre induzidos.
A infância de um chefe
Página 132
Repetiu: "Eu gosto da mamãe!", mas sua voz pareceu-lhe estranha, sentiu um medo terrível e correu sem parar até o salão. Desde esse dia compreendeu que não gostava da mamãe. Embora sem se sentir culpado, redobrou de carinhos, porque pensava que a gente devia fingir toda a vida amar os pais, senão seria um menino ruim.
Página 151
Não era possível valer-se de um tratado de filosofia para persuadir as pessoas de que elas não existiam. O que era preciso era um ato, um ato verdadeiramente desesperado que dissipasse as aparências e mostrasse em plena luz o nada do mundo. Uma detonação, um corpo jovem sangrando sobre um tapete, algumas palavras rabiscadas num papel: "Eu me mato porque não existo. E vocês também, meus irmãos, vocês não são nada!" As pessoas leriam o jornal, pela manhã; veriam: "Um adolescente ousou!" E todos se sentiriam terrivelmente perturbados e se perguntariam: "E eu? Será que existo?"
Página 210
Sentia um orgulho amargo. "Eis o que é agarrar-se fortemente a opiniões: não se pode mais viver em sociedade."
Página 217
"Eu existo", pensou, "porque tenho o direito de existir".