Fabio 25/02/2024
"O insólito encontro com a morte"
"Eu passei o meu tempo imitando a eternidade e não tinha entendido nada."
"O Muro" (Le Mur) é um compilado de contos do filosofo e escritor, Jean-Paul de Sartre. Publicado em 1938, as vésperas da Segunda Guerra Mundial. Em cinco contos concisos, Sartre, nos apresenta, amplas questões de cunho político, filosófico e social, que denotam toda a vertente contemplativa do autor, e que, imprime na obra, sem floreios a sua obsessão as causas libertárias, os pensamentos progressistas e a militância política.
Tratarei somente sobre o conto principal, que intitula a obra, pois o intuito é manter o padrão sucinto das resenhas, para não cansar o leitor, e para manter a tradição em não haver delongas, porém, não obstante, a profundidade do incipiente, talvez destoe das usual, e alongue o que normalmente já é um tanto prolixo. Destarte, de antemão peço desculpas e suplico paciência e perseverança aos amigos leitores.
Narrado em primeira pessoa, somos apresentados a Pablo Ibbieta, um homem condenado à morte por ser membro da "Brigada Internacional" (Grupo de voluntários progressistas da Europa), que lutava contra a força repressora do general espanhol Francisco Franco, num esforço de preservar a Espanha como república, e manter a liberdade constitucional, a livre expressão e os direitos individuais.
A partir da visão de Pablo, somos apresentados aos jovens, Tom Steinbock e Juan Mirbal, que identificados como ativistas, são condenados à morte por fuzilamento, sem direito a ampla defesa ou julgamento justo. Acompanhamos então, a angústia dos três homens, que atravessam a última noite, e o prévio sofrer pelo fatídico destino, que os aguarda ao raiar da aurora.
Sartre, exauri cada um dos três personagens ao limite, e nos arremessa a uma narrativa tensa e inquietante, repleta de simbolismos e ilações morais, e a todo momento nos remete a olhar para dentro (eu interior), e a refletir sobre a vida e seus significados, sobretudo, somos obrigados a olhar para o destino final, com o intuito claro de nos mostrar, que a iminência da morte, altera radicalmente o olhar para a vida.
O elenco de "O Muro" é distinto e cada qual do trio, representa um signo dentro de um sodalício, e evoca a individualidade do ser pensante, que reage ao o ambiente que o cerca, e quando seus atributos são provados pelos reveses, sobressai o cerne do indivíduo, que em suma é incontestável. Enquanto um se entrega ao desespero e decai, outro a indiferença e se abandona, o terceiro aparta-se o que não é palpável e apega-se ao que licito da matéria, e de todos é o que mais se agarra a existência. Mas é em Pablo Ibbieta, que podemos vislumbrar traços do famigerado personagem Meursault (O Estrangeiro) de Albert Camus.
"O Muro", é um conto de narrativa poderosa e intensa, cenas marcantes e diálogos vigorosos, e que, esmiúça e contrasta os aspectos do mundo interior e exterior, isto é, coteja a consciência do que é material, e evidencia os fenômenos sensoriais, e as reações tanto físicas como emocionais dos personagens, dando-lhes extrema vivacidade e veracidade.
Trata-se de um texto de caráter filosófico e intelectual onde o Sartre, destrincha os pressupostos existenciais e ontológicos da fenomenologia, mesmo que de forma bem sensível e sucinta, porém, ele (autor), utiliza-se de seu poderoso texto para nos impor severamente o pensamento revolucionário, de cunho anárquico, e apropria-se da arte para promover o ativismo político.
A priori, podemos observar em "O Muro", vestígios da filosofia heiderggiana e da fenomenologia de Husserl, mas é o existencialismo sartriano do "Em-si" e "Para-si" que impera nas páginas do conto, de forma intrínseca, de que o ser é nada além daquilo que é, portanto: o ser é, aquilo que é, e, aquilo que é em si.
Em suma, "O Muro", é um conto harmônico, profundamente reflexivo, que tem o poder de ecoar violentamente na mente daquele que o lê, transmitindo o tempo todo realidade e urgência, e evoca a necessidade de se olhar para dentro antes de olhar para fora e, compreender a si mesmo, e entender os próprios ruídos, e os sentimento indizíveis do próprio interior, para só depois, contemplar o mundo que o cerca, e aqueles que o habitam.
O destino é o muro. O muro separa os vivos dos mortos, mas não faz distinção entre os bons e maus, só os trata da mesma maneira. O muro não julga, só acolhe, recebe e não questiona. O muro é o estágio final, aquele de vislumbra o último instante, o último suspiro, a última lagrima. O muro não condena, só recebe o condenado e também o algoz, e por fim, mostra que além do muro não há esperança, somente prova, que o iminente destino está na ponta de uma bala.