Lekatopia 29/09/2015
Fraquinho
Como fã da Meg Cabot, falar mal de um livro dela publicamente faz eu me sentir mal. Ao mesmo tempo, existe algo chamado honestidade intelectual e eu não poderia ler um livro, detestá-lo e escrever uma resenha mentindo descaradamente sobre suas virtudes.
“Cabeça de Vento” é o primeiro livro de uma trilogia composta por “Being Nikki” e “Runaway” (“Sendo Nikki” e “Passarela”, numa tradução livre), publicada no Brasil pela Galera Record.
Falar de “Cabeça e Vento” sem dar spoilers fica um pouco difícil na hora de abordar os problemas com a narrativa, mas acredito que o que será dito a seguir já é de conhecimento geral: basicamente, a estória começa quando manifestantes causam um acidente na inauguração da Stark Megastore, o que acaba por ferir gravemente Emerson e causar um colapso em Nikki. Então temos o seguinte quadro: (i) Nikki teve morte cerebral, mas seu corpo está em perfeito estado; (ii) Emerson possui o cérebro intacto, mas seu corpo teve ferimentos fatais; e (iii) o grupo Stark, patrocinador de Nikki, não está disposto a perder o rosto que é associado com a cara e os valores de suas empresas.
A solução, é claro, consiste em realizar um “transplante de corpo inteiro” (duh)! Sim, o cérebro de Emerson é colocado no corpo de Nikki, o que significa que a partir de agora Emerson deverá viver, bem, como uma super modelo adolescente. Sério, é a versão Meg Cabot de Drop Dead Diva. Só que ao contrário.
Nikki Howard e Emerson Watts se elas tivessem mais de 30 anos.
Não tenho nenhum problema com essa lógica de ficção científica. Transferência de corpo inteiro? Parece genial, desde que seja bem executada. Mas em “Cabeça de Vento” a narrativa se desenvolve de tal modo que as coisas deixam de ser críveis. Diversas situações absurdas acontecem e tudo parece muito forçado. Emerson Watts, ao invés de entrar numa reflexão sobre perder sua antiga identidade e começar a viver como sendo outra pessoa (o que seria épico se escrito no inconfundível estilo de Cabot), começa a se preocupar com garotos e lição de casa. Oi? Como uma personagem descrita como sensata e inteligente perde a noção do que seria “estabelecer prioridades”?
Agora vem spoiler (pule para o próximo parágrafo se não quiser ler): Fiquei profundamente incomodada com o fato que de que Emerson não pode contar a ninguém sobre o transplante porque o advogado das empresas Stark fez seus pais assinarem um contrato de sigilo, cuja penalidade em caso de quebra está na casa dos milhões de dólares. Sério. Isso é absolutamente INCONSTITUCIONAL. Alguém, por favor, liga para um consultor jurídico? Liga para mim!
Quanto às personagens, acho que o desenvolvimento de Emerson foi mais um retrocesso. Já Nikki nunca é abordada o suficiente para termos uma idéia mais clara e menos estereotipada de quem ela era. E as personagens de apoio são basicamente fórmulas prontas: Frida, a irmã de Emerson, é uma garota fútil que quer ser líder de torcida (clichê); Brandon Stark, namorado de Nikki, é um playboy bonito, rico e burro (clichê); o cantor Gabriel Luna é o inglês com um sotaque adorável que sempre surge do nada onde Nikki está (clichê); Lulu Collins é a amiga rica e burrinha, mas com um coração de ouro (clichê); e Christopher Maloney é o melhor amigo de Emerson, que despreza a galera popular e é simplesmente muito cool (clichê).
E como comentei na resenha de “Dead to the World”, acredito que deixar finais abertos, mas não inconclusivos, é um dos maiores méritos de uma boa série. Infelizmente, “Cabeça de Vento” nos traz um dos finais mais insatisfatórios de que me recordo. Eu queria me matar! Não acontece nada, absolutamente NADA! É simplesmente esquisito e totalmente abrupto.
Há também, é claro, aspectos positivos em “Cabeça de Vento”: o livro é escrito naquele inconfundível estilo de Meg, leve e divertido, como se você estivesse conversando com sua melhor amiga. Além disso, as referências ao universo nerd estão lá e sempre estampavam um sorriso no meu rosto (a Emerson lia Electronic Gaming Monthly. Sério, essa parte me emocionou profundamente).
Em suma: “Cabeça de Vento” não me agradou e o julgo um trabalho fraco para os parâmetros de Meg, que já provou poder fazer muito melhor nas séries “O Diário da Princesa”, “A Mediadora”, “Garotos” e “Tamanho 42 Não é Gorda”, só para citar alguns exemplos.
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