Sara 20/05/2024
Escolha bem seus amigos
Sally Rooney escreve diálogos extraordinários! Isso se tornou um fato após meu segundo contato com as obras da autora. Suas palavras tão perspicazes e reais são magnéticas. Li quase 270 páginas em algumas horas (madrugada adentro), mas quis guardar um pouco para o dia seguinte.
Não deveria. O final foi meio decepcionante. Dramatizando um pouco, é como se meus sentimentos pela história, que me apeguei e devorei, tivessem sido traídos. E talvez Sally queira provocar isso mesmo. Uma sensação estranha, como se tudo tivesse errado. Mas para quem? Sob que ótica? Do capitalismo? Do patriarcado? Do tradicional? Podem deixar, não vou me tornar a Bobbi.
Contudo, a questão maior, é que estamos diante de quatro adultos, em fases diferentes da vida, que parecer viver na comodidade e preferem não tomar decisões. Uma bolha intelectual burguesa exaustiva, mas que todos fazem parte e insistem em criticar. É a hipocrisia da hipocrisia. Os diálogos, tão bem escritos, tornam-se insuportáveis. Uma verdadeira batalha de egos. E Sally provavelmente tem consciência disso tudo.
Não espere por um arco de amadurecimento, aqui, é tudo circular. Uma repetição infinita, ao que parece, de escolhas que levam ao mesmo lugar. Escolhas essas destrutivas, principalmente, para Fran, uma jovem escritora que parece não conseguir saber o que quer, mesmo parecendo já saber. É contraditório, eu sei. Vale uma pequena comparação com "Pessoas Normais", também de Sally e uma das escritas que mais me marcou na vida.
A trama de ambos gira em torno da consequência da falta de comunicação, do "deixa pra lá" mental, da hesitação em momentos primordiais. A diferença é que "Pessoas Normais" consegue ser honesto. No sentimento, no diálogo, na discussão sobre a diferença de classes. Não é enfadonho. Poderia dizer que é sincero.
Como uma jovem brasileira no início da vida e da carreira (posso chamar assim os meus 25/quase 26 anos?), ainda sem qualquer independência financeira, não consigo entender como Fran, a protagonista de 21 anos, com tantas oportunidades e precisando de dinheiro, prefere seguir levando uma vida financeira complicada com os pai e pedir dinheiro emprestado para a amiga. Não que ela não pudesse, mas Fran se autocritica por isso e não faz nada. É, este livro se tornou um pouco pessoal.
Claro que não devemos ignorar o fato de que ela tem o sonho de viver de sua escrita e que não gosta de pensar na ideia de levar uma vida fazendo o que não gosta, ainda que seja na área literária. Justo. Mas temos que começar de algum lugar. Acho que é um papo europeu demais para mim. Uma bolha idealizada. Acho que eles não conhecem o nosso mundo, o lado de cá.
O que eu comecei achando como um relacionamento muito complexo se desfez quase que completamente durante os últimos capítulos do livro. Provavelmente, estou fazendo agora o que Sally mais temia: julgar seus personagens. Te desafio a não julgá-los. Na melhor das palavras, eles são insuportáveis, de uma forma belamente escrita e fácil de acompanhar.
Eu obviamente me envolvi com Fran, a personagem principal, e com Nick, amante/namorado dela - se podemos defini-lo assim. Também torci pelo clichê, até o ponto de não dar mais. Até o ponto de torcer para Fran seguir seu rumo sem a presença de qualquer um dos três. Mas não é fácil. Ela é a personagem que somos mais capaz de compreender e simpatizar. Como eu queria que ela batesse de frente com Bobbi, sua melhor amiga e ex-namorada. Bobbi foi infiel de tantas maneiras como "amiga". E tudo para mostrar quem estava no controle. Não pense que Fran não se culpa por algumas atitudes. Ela se culpa demais na verdade, ao ponto de se machucar para tentar encarar a realidade - mas ela sempre olha para trás.
Fico pensando o que seria uma conversa. Uma papo entre iguais ou, melhor, uma disputa intensa por posição, reconhecimento, ego? "Conversas entre amigos" é muito desconfortável nesse sentido. Até diálogos românticos se tornam um campo minado. Mas você torce por eles, digo por Fran e Nick. Ele é um homem casado e nitidamente infeliz no casamento. Mas, ao mesmo tempo, não consegue terminar com sua esposa Melissa, uma escritora aparentemente renomada - ou com muitos contatos-, liberal e tóxica. Aparentemente, Nick não quer encerrar seu relacionamento com ela. Ou Fran precisa deixar isso claro para ele. Difícil saber o que Nick quer de verdade. Por mais que eu tenha romantizado o personagem, pretendo não fazer mais.
Que relacionamentos são complexos nós já entendemos, principalmente neste caso, no qual quatro pessoas estão intimamente ligadas. E só para não deixar de falar de Bobbi... Ela é a garota padrão descolada, a corajosa que fala tudo na cara e não tem medo de emitir opiniões em qualquer circunstância. É o que ela externaliza pelo menos.
Agora, me pego pensando no que verdadeiramente senti lendo aqueles diálogos, principalmente as trocas de e-mails e telefonemas entre Fran e Nick. Foi tudo uma ilusão provavelmente. Será que cometeria o mesmo erro se voltasse naquelas páginas? Como diria Fran, reagir com razão ou emoção? Mas nem sempre é possível escolher a razão - ou melhor, nem sempre a queremos por perto.