matlima 13/09/2020
Reunião de escritos atemporais
Interessante reunião de artigos e resenhas sobre temas variados, mas com um mesmo pano de fundo: a visão democrática e liberal desse autor nascido na Índia Britânica.
É impressionante a inteligência e a capacidade do Orwell em transmitir ideias complexas em palavras simples. Alguns pontos que me chamaram a atenção foram:
1. Ao se resenhar Mein Kampf, de Adolf Hitler, disse que "Ele foi financiado pela indústria, que viu nele o homem que esmagaria o socialismo e o comunismo. A situação do país, com seus milhões de desempregados, era obviamente favorável aos demagogos. Mas Hitler não teria tido sucesso contra seus muitos rivais não fosse a atração de sua própria personalidade. Ele se coloca como o mártir, a vítima, o Prometeu acorrentado na rocha, o herói que se autossacrifica para lutar sozinho contra todas as impossibilidades. Se estivesse matando um camundongo ele saberia fazer com que parecesse estar matando um dragão. Ele sabe que seres humanos não querem apenas conforto, segurança, poucas horas de trabalho, higiene, controle de natalidade e, no geral, bom senso; eles também, ao menos intermitentemente, querem luta e autossacrifício, e isso sem falar em tambores, bandeiras e desfiles demonstrativos de lealdade". Incrível como essa frase se encaixa no momento atual. Como dizia Cazuza, em 1988, ano da promulgação da nossa Constituição Federal: "eu vejo o futuro repetir o passado"
2. Necessidade de retirar o valor moral do valor literário para não deixar que a visão política prejudique a compreensão artística. Ao falar sobre a literatura e a esquerda, ele assim escreveu: "Não gostar da posição política de um escritor é uma coisa. Não gostar dele
porque ele obriga você a pensar é outra, não necessariamente incompatível com
a primeira. Mas, assim que se começa a falar sobre escritores “bons” e “maus”,
de forma tácita se faz referência à tradição literária, com isso trazendo à baila
uma coleção de valores em tudo diferentes. Pois o que é um “bom” escritor?"
3. No artigo "Socialistas podem ser felizes?" anota que "o verdadeiro objetivo do socialismo não é a felicidade. A felicidade tem sido até agora um produto, e até onde sabemos assim pode continuar para sempre. O verdadeiro objetivo do socialismo é a fraternidade humana"
4. No artigo "História e mentiras", trata do perigo em se confiar na história escrita pelos vencedores, principalmente quando estes não defendem valores democráticos. "O que é realmente assustador quanto ao totalitarismo não é que cometa “atrocidades”, mas que agrida o conceito da verdade objetiva: ele proclama que controla o passado tão bem quanto o futuro." (...) "a verdade é algo exterior a você, algo a ser descoberto e não algo que você pode inventar ao longo do caminho"
5. Ao tratar do escritor e ativista político Arthur Koestler, faz uma curiosa observação: "É claro que é verdade em muitos casos, e pode ser verdade em todos os casos, que a atividade revolucionária resulte de um desajuste pessoal. Os que lutam contra a sociedade são, no todo, os que têm motivos para não gostar dela, e pessoas normais e saudáveis não são atraídas por violência e ilegalidade mais do que o são pela guerra. O jovem nazista em Cruzada sem cruz faz a penetrante observação de que se pode ver o que há de errado no movimento esquerdista pela feiura de suas mulheres. Mas, afinal de contas, isso não invalida a causa socialista."
6. Ao resenhar o livro Nós, de E. I. Zamyatin, diz que a civilização por ele descrita traz "uma percepção intuitiva do lado irracional do totalitarismo — sacrifício humano, crueldade como um fim em si mesmo, culto a um líder ao qual se creditam atributos divinos". De fato, esses traços se percebem em todos os governos totalitaristas anteriores e posteriores ao escrito.
7. Na resenha de "A alma do homem sob o socialismo, de Oscar Wilde", vaticina que "Na verdade, o problema do mundo como um todo não é como distribuir a riqueza que existe, mas como aumentar a produção, sem o que a igualdade econômica significará apenas uma pobreza comum."
Enfim, é um livro relativamente curto com boa escrita e ótimo conteúdo que reúne textos variados sobre temas do passado que continuam atuais.
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