Dhiego Morais 06/01/2017Tudo começou com Silo. Depois se estabeleceu a Ordem. Agora só resta o LegadoApós dois anos de ter lido Silo, o primeiro livro da trilogia distópica de Hugh Howey, finalmente li Legado. E o que posso dizer sobre a conclusão? A trilogia de Howey é uma das séries que eu mais admiro, logo, o hype estava lá em cima. Publicado em 2014 pela Intrínseca, Silo estabeleceu-se como um início brilhante, e sua sequência, Ordem, não ficou muito aquém disto. No entanto, a conclusão do épico peca em uma coisa, pela primeira vez: ritmo.
Dedicando as suas manhãs e horas de almoço quando trabalhava em uma livraria, e originalmente lançada de forma independente, em ebook, a trilogia Silo mantém-se como uma das mais bem escritas e fascinantes distopias da atualidade. Promissor e surpreendente, Silo, primogênito do autor, roubou suspiros de seus leitores e editores. O mesmo aconteceu com o sucessor da série, Ordem. Legado não é um livro ruim. Muito pelo contrário, possui um final extremamente coerente com o caminhar da trama. O que pode desagradar os leitores é algo que não havia na trilogia: falta de ritmo e ousadia.
“Deixou de acrescentar que não importava o que fizessem, já estavam todos mortos. Eram cadáveres ambulantes naquela casca de silo, aquela casa de loucura e ferrugem”.
A trama agora reúne as pontas lançadas pelos livros anteriores. Juliette retornou ao seu lar, ao Silo 18, e já tem ciência da existência de dezenas de Silos espalhados pela região. Sua aventura no Silo 17 ainda não acabou. Jurou retornar para ajudar Jimmy/Solo e as demais crianças. Do outro lado existe Donald, Silo 1, que se passa por Thurman e tenta interferir no sistema. Em Legado as tramas tentem a confluir até o ápice.
O clima no último volume da série de Howey é intenso e quase não se permite esfriar. Juliette viu o que as pessoas que se passaram por deuses fizeram ao mundo, viu o caos e a morte por todo o lugar em que pisou. Observou com detalhes o poder de exterminar um Silo inteiro. Essas coisas foram o Pacto e a manutenção da Ordem. E o Legado deve ser priorizado igualmente. Ao retornar para o Silo 18, consciente de sua ignorância, e, agora como Prefeita, Jules toma para si uma série de promessas: revelar a verdade para toda a população do Silo 18, salvá-los das rédeas do Silo 1, vingar-se destes e... sobreviver.
Donald continua agindo como Thurman, com a ajuda de sua irmã, Charlotte, e está decido a corrigir os erros do passado, mesmo que isso signifique ir contra a Ordem e contra os próprios companheiros. Na tentativa de descobrir os últimos segredos que permeiam a história dos Silos e sua criação, Donald e Charlotte deverão se aliar a outras personagens, em um jogo em que cada movimento pode significar o fim, a morte certa.
O interessante neste livro são as batalhas que são travadas em cada Silo, que se comporta como um mundo à parte, solitário, mas não menos cruel. O Silo 18 permanece sob o véu da ignorância, acuado pelas dores do último levante. Próximo a este, o Silo 17 vive uma sobrevida amarga, abandonado ao vento tóxico e à sombra de poucos sobreviventes. Por fim, o Silo 1, exuberante, tecnológico e manipulador; a peça chave que guia todos os demais. É a intercalação de pontos de vista, entre os três Silos, ainda que em terceira pessoa, que dá certo ritmo a trama.
A religião é abordada em Legado, representado pela Congregação e, principalmente pela figura do Padre Wendel. A ideia de memória e seu significado para o indivíduo também é trabalhada, afinal, o que é o Legado se não as impressões de um público, uma pessoa em tempos passados?
Howey encaminha as suas personagens principais para as revelações e descobertas necessárias. Essas mesmas personagens abrem um leque de possibilidades, de escolhas. Entretanto, ainda que não tenha sido de todo previsível, o autor opta por um final coerente. Ao encerrar o livro, há certo amargor na ponta da língua, um toque de agridoce na cena.
Legado é sobre lutas, reviravoltas e muitas perdas. O ritmo é cadenciado, entre ação e diálogos bem construídos.
“Heróis não venciam. Os heróis eram quem quer que tenha vencido. A História recontava suas versões, já que os mortos não podem falar. Tudo ficção”.
Em um momento tão conflituoso, em que as dores são expostas e as verdades reveladas pelo vento, a humanidade entra em colapso, a selvageria vira normalidade e a esperança tem gosto de cinzas no horizonte. A trilogia Silo é um ensaio sobre a sobrevivência, e Legado se resume ao fim, ao destino e aos frutos que ainda podem ser colhidos pelos sobreviventes.
Àqueles que ansiavam pelo fim, acalmem-se. Tudo começou com Silo. Depois se estabeleceu a Ordem. Agora só resta o Legado. Howey encerra de forma coerente e limpa uma das distopias mais bem escritas. A escolha está em suas mãos: salvar ou ser destruído.
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