Manu 28/05/2024
A autora confundiu criatividade com sadismo. Livro podre, não recomendo.
Gostaria de saber que preço a autora pagou para a própria consciência por escrever e publicar essa história. Não entendo como é o favorito de muitas pessoas. Existem muitos pontos problemáticos que me causaram nojo, raiva, ódio e um ressentimento enorme por esse livro. Vou tentar pontuar, com detalhes abaixo. Pode ser que contenha pequenos spoilers.
É uma narrativa muito bem escrita, excelente até. Porém, a leitura é torturante... em MUITOS momentos. A autora parece ter um fetiche em dor alheia, extensivamente descrevendo as violências que ocorrem no livro. A história inicia bacana, falando da amizade de 4 homens que estão buscando a ascensão da vida no EUA. E aí está a primeira mentira: o personagem principal é Jude, apenas. Os outros três viram secundários, indo e vindo na narrativa, conforme a autora deseja violentar, cada vez mais, ou não, Jude. E nessa questão, tenho o primeiro ponto:
1-- A estigmatização de pessoas pretas
A autora traz 2 dos 4 personagens principais como pessoas pretas, comentando muitos equívocos e transformando-os exatamente nos estigmas que a sociedade coloca. Um, vira o problemático, drogado, histérico, inconveniente, o personagem que todo mundo passa a não suportar, que os leitores pegam raiva porque só faz merda e faz tudo errado. O outro não tem personalidade alguma, é apagado da história, esquecem de desenvolver a sexualidade dele e a própria negritude que é questionada. Esses personagens são praticamente esquecidos ao longo da narrativa, em muitos momentos. Se fossem brancos, teriam o mesmo tratamento na história?
2—Falta de protagonismo de mulheres
A autora não coloca 1 mísero capítulo sob a narrativa das mulheres que compõem a história, por puro luxo de não querer. Não temos a perspectiva de Julia e Ana em nenhum momento, que foram pessoas importantes na trajetória de Jude. Servem como esposas de alguém, apenas, sem relevância alguma. Até vi declarações da autora de que se a história fosse de 4 mulheres, seria chata.
3- Ela odeia homens gays e bissexuais?
Aqui é uma questão que me desorganizou bastante. Primeiro apresenta um homem gay sendo totalmente histérico e inconveniente, justo o que não cresceu com pai presente, rodeado de tias e a mãe, mimado por elas. Me pergunto: por acaso homens heteros não são histéricos? Esse estigma sempre colocado, primeiro, as mulheres e, em seguida, a homens não heteros... problemático. E, ainda, o gay histérico não consegue manter relações duradouras e se transforma no drogado do grupo. Parece que ela diz “cuidado com os gays sem pai, esses são problemas”. O homem “bissexual” na história é ator e extremamente bonito e desejado. Trai quase todas suas namoradas e, do nada, a paixão da vida dele é um homem (que vira um relacionamento aberto porque ele precisa transar com mulheres também, e é o único homem que amou na vida toda). Ou seja, homens bissexuais não se reconhecem, não se assumem, e precisam viver vidas duplas. Mais uma estigmatização. O terceiro, nem nunca soube sua sexualidade, começa tendo dúvidas e esse plot é esquecido na história. Aparece, anos depois, casado com mulheres. O quarto integrante tem uma história horrível: é abusado constantemente, desde criança, por todos os homens aos quais confiou, que nunca nem pode entender o que é sexualidade, relacionamento e paixão. E na história, a autora dá a entender que só virou gay/bissexual porque foi abusado.
Parece uma pornografia em cima das violências e sofrimentos das histórias de homens que se envolvem com outros homens. Enquanto as histórias e casais heterossexuais do livro se colocam intactas, duradouras, seguindo a lógica “comercial de margarina” da família estadunidense.
4- Falta de sensibilidade com o público
A autora não coloca classificação de gatilhos e cuidados em seu livro. Irresponsável. Além disso, descreve de maneira minuciosa os estupros (são INCONTÁVEIS, ao longo da história), as agressões físicas (chicoteamento, socos e chutes, atropelamento), as automutilações do personagem (com lâminas nos braços e coxas, queimaduras no corpo, se jogando da escada e contra a parede). Embrulha o estômago, de graça.
A autora já deu declarações que terapia não funciona e que ela é a favor das pessoas se suicidarem. Na narrativa, em três momentos, ela debocha da psicoterapia, como ferramenta ineficaz para o sofrimento que os personagens passam. O que constituiria uma saída é a medicação e internação...
Claro, temos um contexto estadunidense na lógica de pensamento aqui: heroísmo, meritocracia, país da liberdade. Ela induz os leitores a pensarem que você é dono do seu corpo e decide o que fazer consigo mesmo e quais tratamentos (aqui, ok, é isso mesmo). Mas existem prerrogativas nessa liberdade de escolha e nesse cuidado. As coisas são mais complexas, e a autora sabe disso, ela só escolhe ignorar e fazer chacota da psicoterapia (sendo que isso seria altamente uma questão que deveria perpassar por vários personagens, e com a devida seriedade que é feita). A profissão da psicologia exige muito estudo, cuidado e ética com o outro, aquele que se dispõe a ser ‘tratado’ por nós. Fica aqui meu repúdio a autora, por tratar as coisas com banalidade, beirando o deboche.
Enfim, o livro trata o sofrimento de toda uma vida de um dos personagens quase que pornograficamente. A autora adotou o personagem principal para roteirizar tudo aquilo que tu puder imaginar de mais sórdido, horrível, discrepante, um chorume de toxicidade e violência gratuita, para a vida dele. E ela divide isso muito bem com cenas sobre amizade, amor e cuidado e passagens de que a vida, apesar do sofrimento, pode ser bela e vivida. Entretanto, a maneira como faz isso é sádica: ocorrem violências, aí vem um capítulo de momentos de felicidade (com lembranças do passado atormentando), e aí vem um sofrimento pior ainda, um capítulo brando, e aí a autora baixa ainda mais o nível. A história busca os cafundós das atrocidades da criatividade humana para descrever uma vida estufada de acontecimentos miseráveis.
O livro termina com o peso de uma tristeza que jamais senti. A arte tem que incomodar e gerar reflexões, admito isso, não deve ser sempre bonita e emocionante. E a literatura é uma arte. Mas esse livro? Deveria ter sido mais brando, com menos descrições, que são descartáveis tal qual muitas das 900 páginas. Melhor ainda, esse livro não deveria ter saído da gaveta da autora.