Coruja 02/08/2016Peguei esse livro numa troca, única e exclusivamente pelo fato de que tinha a palavra ‘leitor’ no título – gosto muito de livros sobre livros, livros sobre leitores, livros sobre o prazer da leitura. É meio que uma reafirmação de que não estou sozinha no mundo em meu vício (bem, faz algum sentido na minha cabeça, não sei na de vocês).
Fiquei, pois, muito contente em ver esse voto de confiança correspondido pela história de Didierlaurent. O Leitor do Trem das 6h27 é uma história delicada, singela, muito simples em seus detalhes, mas nem por isso menos cativante. Em certos momentos – especialmente nas reflexões sobre aparências feitas por Julie – fez-me lembrar de A Elegância do Ouriço. Fiquei me perguntando se é uma particularidade da literatura francesa contemporânea escrever sobre personagens que sob a aparência mundana do cotidiano são filósofos apaixonados por arte.
O livro é narrado por Guylain Vignolles, o operário da ‘Coisa’, também conhecida como Zerstor 500, máquina criada para ‘triturar, achatar, pilar, esmagar, rasgar, picar, lacerar, retalhar, misturar, amassar e escaldar toneladas e toneladas de livros’. Esses livros – em sua maioria, refugos da indústria editorial – serão reciclados e transformados em novo papel a fazer novos volumes (que possivelmente terminarão de novo na voraz boca da Zerstor).
Ironicamente, Guylain, operador de uma máquina de destruir livros, é um apaixonado pela palavra escrita, que se deixou embotar por uma existência aparentemente sem perspectiva. Sua única alegria são os pequenos atos de rebeldia: a amizade com o porteiro poeta da fábrica, a recusa em conceder ao aprendiz ávido por destruição as chaves da máquina e o ato de salvar algumas páginas perdidas dos dentes da Coisa e então lhes dar vida nova, lendo-as em voz alta no trem.
E assim continuaria a vida, não fosse nosso triste narrador encontrar um pen-drive esquecido no assento que costuma ocupar, nas viagens de casa para o trabalho. Nele, Guylain descobre uma série de pequenas crônicas escritas por Julie, uma zeladora de banheiros de shopping – e essa descoberta lhe oferece um propósito e uma conexão com outro ser humano.
O final, deixado em aberto, é talvez mais verdadeiro e satisfatório que se Didierlaurent tivesse nos mostrado os finalmentes. É uma leitura curta e despretensiosa, mas sensível e bem humorada também e o projeto gráfico do livro, cujo tamanho menor foge do padrão, certamente reforça essa impressão.
site:
http://owlsroof.blogspot.com.br/2016/08/desafio-corujesco-2016-um-livro-com.html