Gramatura Alta 18/07/2015
História fraca, mensagem forte
Comprei Eu estive aqui por impulso. Estava na livraria Leitura de minha cidade para tomar o desjejum, uma vez que lá servem um chocolate quente delicioso, e vi na banca de lançamentos o livro de Gayle Forman. Como não havia lido nenhuma obra dela, mas havia gostado do filme Se eu ficar, revolvi conhecer o estilo da autora. Foi uma coincidência que o tema tratado por ela seja um complemento do tema da resenha de duas semanas atrás, Reencontro, de leila Kruger.
Em Reencontro, você acompanha o sofrimento da personagem principal ao combater a depressão. Em Eu estive aqui, você acompanha o outro lado, o lado de quem assiste uma pessoa próxima arruinar a vida sem entender o motivo por ela fazer isso. Ou seja, realmente é o complemento para o entendimento de uma doença moderna. Assim, o leitor fica com a percepção real de duas visões distintas e de como nos comportamos de forma confusa quando lidamos com a depressão.
Quando Meg comete suicídio, Cody, a personagem principal, não consegue compreender o motivo. A amiga era alegre, popular, inteligente, estava em uma boa faculdade, era paquerada e paquerava, ou seja, tinha uma vida plena, se não perfeita. A forma como ela faz, meticulosa, planejada, deixa Cody ainda mais perplexa. Cody era sua melhor amiga e não aceita o fato de ter ficado de fora do problema que poderia ter originado ato tão extremo. Ao acatar um pedido dos pais de Meg e buscar os pertences de Meg na faculdade, Cody descobre e-mails, um relacionamento com um cantor e outros detalhes que indicam que Meg pode ter sido obrigada, ou influenciada, a cometer suicídio. Por causa disso, Cody começa a buscar a verdade.
"Sinto a tentação de cheirar os lençóis. Se fizer isso, talvez seja suficiente para apagar tudo. Mas você só consegue prender a respiracão até certo ponto. Em algum momento, terei que soltar o cheiro dela; então, vai ser como aquelas manhãs, em que acordo e me esqueço antes mesmo de lembrar."
Eu estive aqui precisa ser analisado de dois pontos de vista distintos: como obra literária, ele é fraco, sem um enredo que cause interesse crescente ou personagens que cativem. O relacionamento de Cody com Ben, o cantor que se relacionou com Meg, é previsível e sem muito interesse. Os problemas familiares dela, também não tem qualquer novidade e, de certa forma, não interessam e nem influenciam em nada a história. Na verdade, tudo o que é narrado em paralelo à busca de Cody pela verdade, passa a sensação de que está lá para preencher páginas, mesmo o livro tendo poucas. Mas existe um outro ponto de vista, que, como se descobre nos agradecimentos finais da autora, é o de denúncia. E, por isso, é uma leitura indispensável.
O livro não tem a mesma profundidade nem o envolvimento emocional de Reencontro, mas isso é positivo, porque é dessa forma que se comportam as pessoas que se relacionam com quem sofre de depressão. A revelação final, que explica o motivo do suicídio, pode parecer forçada ou, até mesmo, sem propósito, mas, sem entrar em detalhes para não estragar a leitura, existe um sentimento de vergonha naqueles que sentem essa doença e naqueles que tentam ajudar quem tem essa doença. Isso é um equívoco terrível e que pode desencadear consequências devastadoras. A depressão deve ser tratada como o que ela é, sem preconceito, sem medo do que ou outros vão pensar. Só dessa forma é possível ajudar quem está pedindo por socorro, desesperadamente.
Cody sofre com o sentimento de culpa por não estar ao lado de Meg quando ela precisou de ajuda. Cody não sabia que ela precisava de ajuda, mas acha que seria uma variável que poderia ter mudado o destino da amiga. E, de certa forma, ela tem razão. Ninguém é culpado pela ignorância, mas não se pode desviar do fato de que se não fosse por ela, as coisas poderiam ser diferentes. E a ignorância pode ser resolvida com um pouco mais de atenção e interesse pelos outros no dia a dia.
"Certa tarde, estou me preparando para tomar banho depois do trabalho e, enquanto reviro o armário de remédios em busca de uma gilete nova, vejo um dos frascos enormes de Tylenol que Tricia costuma comprar na farmácia. Graças à minha pesquisa, sei que Tylenol é uma forma terrivelmente dolorosa, mas barata, de se matar. Desligo o chuveiro. Vou para o meu quarto. Espalho os tabletes brancos na minha colcha. Eu deveria tomar quantos? Quantos eu consigo engolir de uma só vez? Como impedir que acabe vomitando tudo?"
Somado a isso, existe a estupidez humana. A inclusão social na Internet é como uma arma: se usada da forma errada, pode ser uma coisa terrível. Não se pode censurar o conteúdo, mas se pode perseguir e condenar aqueles que passam dos limites e usam a rede para causar estragos, de forma direta ou indireta. Como acompanhamos no livro, existem, sim, grupos de apoio ao suicídio. Não aqueles grupos que te ajudam a enfrentar seus problemas, mas, sim, aqueles que te dão ideias e formas de cometer o suicídio. Eles te enchem de mensagens, onde afirmam que você será mais feliz morto do que enfrentando seus medos. É absurdo, irracional, doente, nojento a existência de sites e fóruns com esse propósito, mas eles estão por aí, fáceis de serem achados e prontos para te ajudar a fazer uma enorme, gigante besteira. E essas pessoas, mesmo que não te obriguem a cometer suicídio, deveriam sofrer as penalidades pelo que publicam. Infelizmente, isso não acontece.
Gayle Forman denuncia na forma de uma história o comportamento preconceituoso dos familiares com quem sofre de depressão. Denuncia como alguém com depressão passa despercebido perto dos amigos, principalmente pela vergonha que sente pela possibilidade de descobrirem. Denuncia a existência de fóruns que ajudam pessoas com depressão a cometerem suicídio, distribuindo documentos com venenos eficazes e até o que se sente quando são ingeridos. Por essas coisas, realmente não importa a qualidade da história como ficção, mas sim o que ela apresenta.
Então, leia Eu estive aqui. Como disse lá em cima, é uma obra indispensável. E mais: preste bastante atenção no que é dito nas páginas de agradecimento ao final.