Fernando Lafaiete 20/12/2017A Vida Como Ela É...: Seria Nelson Rodrigues o Shakespeare brasileiro?
Nelson Rodrigues foi uma figura polêmica que chocou a sociedade dos anos 80; tanto pelas suas opiniões explicitas quanto pelos seus textos. O autor foi teatrólogo, romancista, cronista, contista e jornalista. Trabalhou durante a juventude no jornal A Manhã, de seu pai, e foi durante um expediente que acabou sendo testemunha do assassinato do próprio irmão, que morreu baleado a sangue frio enquanto trabalhava.
O autor sofreu problemas financeiros logo após o fechamento do jornal da família e com a intenção de melhorar de vida, resolveu começar a escrever peças teatrais. Com a peça Vestido de Noiva, o autor inaugurou o modernismo no teatro brasileiro e se consagrou como o maior dramaturgo do Brasil. Mas se engana quem pensa que ele alcançou este status com facilidade. Nelson Rodrigues foi fortemente criticado na época e muitos críticos afirmavam que seus textos eram imorais, mal escritos e extremamente negativos. O consagrado escritor chegou a ser acusado de machista e foi vaiado durante a apresentação de uma de suas peças. Atualmente o autor é considerado como um dos principais nomes da literatura brasileira e o seu compilado de contos intitulado de A Vida Como Ela É..., textos publicados inicialmente em sua coluna no jornal A Última Hora dos anos 1950 até 1961, é um dos principais livros da nossa literatura. Nelson Rodrigues é o exemplo perfeito de que clássicos não são escritos como clássicos, eles se tornam clássicos. Quem garante que os livros criticados hoje em dia (os chamados erroneamente de sub-literatura) não se tornarão clássicos daqui uns anos? O autor em questão é a prova de que preconceito literário é algo que não tem sentido. Ele sofreu estes preconceitos e muitos chegaram a afirmar que ele nunca chegaria ao nível de escritores como Graciliano Ramos e Machado de Assis. Eles estavam mais do errados acerca desta afirmação.
A Vida Como Ela É..., me surpreendeu logo no primeiro conto. Esta coletânea possui os 100 contos escritos pelo autor durante os 10 anos que ele se dedicou a esta função. Os contos são bem reflexivos e todos, absolutamente todos possuem finais de fato negativos. Nelson Rodrigues foi um excelente retratista; ele retratava a sociedade não como ela gostaria de ser retratada, mas como ela de fato era. Talvez por isso ele tenha sido fortemente criticado.
Os contos relatam situações de adultério, vingança, suicídio, homicídio, pedofilia, loucura e obsessão. Pra vocês terem uma ideia do nível dos textos, em um dos contos a personagem central, rejeitada pelo marido por ser feia, resolve se vingar botando fogo nele enquanto ele dorme. Os contos são pesados e os finais oscilam entre mórbidos, chocantes, reflexivos e alguns são anti-climáticos.
O autor escreve muito bem, mas possui dois problemas: O primeiro; ele tem alguns vícios de linguagem que a partir da segunda metade, começam a incomodar. Os diálogos repetem sempre as mesmas expressões linguísticas que muitas vezes não só incomodam como cansam. O segundo problema é que muitos contos se repetem. As situações são parecidas e os finais são os mesmos. Estes problemas fizeram com que eu considerasse algumas histórias completamente desnecessárias.
Muitos estudiosos da obra do autor em questão, consideram sua escrita exagerada (narrativa hipérbole) e muitos afirmam que ele é o Shakespeare brasileiro por apresentar histórias com finais trágicos. Nelson fez inúmeras declarações polêmicas como as que se seguem abaixo:
"Toda mulher gosta de apanhar. Não digo todas, apenas as normais. As neuróticas reagem!"
"Sou cristão e gosto de ir à igreja. Mas só vou à uma igreja quando ela está vazia. Na minha opinião, quem estraga a missa são os cristãos e o padre."
Sendo polêmico ou não, Nelson Rodrigues é de um talento admirável. Ele é o tipo de escritor que todo mundo deveria ler. Não sei se ele era realmente machista e misógino. A questão é que em seus contos, as mulheres são as personagens centrais. São elas que trazem o peso que a história precisa. Na minha opinião, Nelson Rodrigues é como Monteiro Lobato, um autor criticado e amado na mesma proporção. Um mestre da nossa literatura que merece ainda mais reconhecimento do que o que lhe foi concedido!