Bruno Vial 21/02/2015
“Sete Desafios para ser Rei” e as boas marcas da infância
Quando eu tinha dez anos, saí da minha escola do bairro e entrei em uma nova, muito maior e com pessoas que nunca tinha visto antes na vida.
Assustei-me. Era um estranho que invadia um perímetro que não era meu. Era um estranho que ia para uma outra parte longínqua da cidade, que apenas tinha visto passando de carro.
Era um estranho nerd, gordinho, tímido e antissocial, abandonado em um lugar fora do meu nicho.
Era um colégio de renome no Espírito Santo. Diversos andares, quadras, parquinhos, refeitório, laboratório de informática e uma grande biblioteca. Mas, principalmente, dentro da minha sala de aula havia uma pequena biblioteca – assim como um computador e algumas pessoas legais – e foi ali que eu descobri duas coisas que me marcaram muito, da melhor forma possível.
A primeira foi o RPG, através de um livro-jogo daqueles que você escolhe um caminho e vai para uma determinada página. Meu primeiro deles foi o Feiticeiro da Montanha de Fogo. Conhecer o RPG foi importante tanto na minha formação como escritor quanto, especialmente, em minhas relações de amizade futuras.
Mas foi um segundo livro que encontrei naquela pequena biblioteca que me marcou para a vida, pois foi com ele que descobri o prazer da leitura: “Sete Desafios para Ser Rei”, de Jan Terlouw.
“Sete Desafios para ser Rei” conta a história de um jovem em um reino fantasioso que cumpre sete desafios impossíveis para que possa se tornar o novo governante. Estes eram propostos por um grupo de homens que regiam o reino – em prol de seus próprios interesses – desde a morte do antigo rei.
O livro é de fantasia – o que também mostra minhas fontes de inspiração – e por muitos anos eu me lembrei dele com um imenso carinho. Nunca mais achei para vender em nenhuma livraria, assim como procurei por algumas vezes em sebos, sem sucesso. Cheguei a pensar que tivesse inventado esse livro na minha cabeça, ou o tivesse confundido com outro.
Até que recentemente consegui comprá-lo pela internet. Como fiz por dezessete anos, em um momento aleatório e sem muita esperança, procurei o livro no site de uma livraria e descobri essa nova edição. E, principalmente, que estava em promoção!
Quando ele chegou pelo correio, minha apreensão em relê-lo foi infinita. Afinal, e se eu não gostasse agora, depois de adulto? E se devesse mantê-lo guardado em minha memória da infância, como uma linda lembrança da primeira leitura de um livro que amei?
Eu o reli. E percebi que ele não apenas me marcou abrindo meu mundo para a literatura, especialmente para a fantasia, como também muito do que penso em termos de política e de um projeto social que defendo estão ali, naqueles conceitos de núcleo duro e abstratos. A inspiração de um mundo melhor, onde é possível resolver problemas impossíveis. Saber que você pode lutar, e que pode ir até o fim. Um mundo mágico em que, a despeito das dificuldades, acreditar vale a pena. E tudo isso em uma linguagem belíssima e simples, feita para crianças sem soar estúpida e tola.
Tratando de temas muito relevantes, como política, solidariedade e ambientalismo, “Sete Desafios para ser Rei” é escrito em metáforas que divertem uma criança e fazem um adulto pensar. E é por isso que me orgulho de querer tê-lo sempre em minha estante. Fico feliz de ter feito essa segunda leitura, pois aliou tudo aquilo que senti em meus dez anos com uma nova visão da obra.
Acho incrível como coisas simples como uma leitura de um livro escolhido a esmo podem nos marcar e nos inspirar por toda a vida. “Sete Desafios para ser Rei” não é uma obra prima da literatura ou uma obra de arte – embora seja aclamado e tenha ganho diversos prêmios, dentre eles o Goulden Griffel – mas, seja pela minha mente infantil impressionável ou por aquilo ser parte de mim e ter se despertado com a leitura, foi um dos livros que me deixou as melhores marcas.
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