Val Alves 26/11/2019
Amanhã farei grandes coisas!
Esse é um livro sobre, entre muitas coisas, reminiscências. Essa coisa que todos nós temos, mas nem somos capazes de ter o empenho e a delicadeza em registrar por escrito e compartilhar com o mundo. Seja por serem muito íntimas- evocando sentimentos cuidadosamente guardados- seja por fazerem voltar a tona lembranças infantis e de um tempo tão distante que facilmente são corrompidas pelo desgaste da memória e tornem-se, portanto, imprecisas.
As reminiscências começam numa tarde de novembro de 1995 quando Carlos recebe um envelope sem identificação e, logo ao ler seu nome como destinatário e observar as qualidades do embrulho reconhece o único remetente possível : o pai.
Isso não seria surpreendente exceto por um detalhe: este já era falecido há dez anos.
"Tempo que ficou fragmentado em quadros, em cenas que costumam ir e vir de minha lembrança, lembrança que somada a outras nunca forma a memória do que eu fui ou do que outros foram pra mim.
Uma quase memória, ou um quase- romance, uma quase -biografia. Um quase- quase que nunca se materializa em coisa, real como esse embrulho, que me foi enviado tão estranhamente. E, apesar de tudo, tão inevitavelmente. "
Diante do embrulho começa a se recordar de vários ocorridos tendo o pai como personagem principal. São estórias incríveis e que só podiam ser possíveis vindo de uma pessoa que, sempre antes de deitar, dizia a si mesmo : "amanhã farei grandes coisas!"
"...as histórias em que ele se metia nunca tinham fim, ligavam-se umas as outras, entravam uma dentro da outra, como aquelas bonecas de madeira que fabricam na Rússia."
Capítulo por capítulo vamos conhecendo esse pai do qual o filho, claramente, tinha devoção. Um cara que poderia se envolver em um caso embaraçoso por causa de umas mangas; que fazia balões de São João inconfundíveis; que portava um canivete como arma; que seria capaz de levar um jacaré (ou seria um lagarto?) pra criar nos fundos da casa e que, entre muitas qualidades, "conseguia ter duas opiniões sinceras e contraditórias sobre o mesmo assunto. "
Livrinho maravilhoso! Quem gosta de ouvir bons casos e histórias de família pode ler sem medo.