Toni 18/04/2024
Sukiyaki de domingo [2003]
Bae Su-ah (Coréia do Sul, 1965-)
Estação Liberdade, 2014, 304 p.
Trad. Hyo Jeong Sung
Como adverte a autora no texto que assina ao final desta edição, “para um leitor que considera que o romance deve ter um herói cujas aventuras são narradas cronologicamente, o meu livro [...] será uma grande decepção”. Nos 17 capítulos que compõem a obra, a sul-coreana trabalha com núcleos narrativos que se contaminam e extravasam de uns para os outros, fazendo com que uma personagem que aparece brevemente numa lavanderia no capítulo x retorne como centro da trama mais à frente. Essa opção por uma estrutura com vários centros irradiadores tem inúmeras implicações de sentido e intenção, sendo a mais comum dentre elas a busca por apreender ou representar diferentes facetas de um determinado tema ou contexto histórico/social.
No caso de “Sukiyaki de domingo”, o tema em questão é evidentemente a miséria. Assim como o vencedor do Oscar “Parasita” — ainda que sem o contraste explícito provocado pelo encontro entre a família rica e a família pobre (obs. o livro é anterior ao filme) —, Su-ah trabalha diferentes camadas da referida miséria, que se revela ora moral ora afetiva, ora pecuniária ora cultural, e seus efeitos no comportamento e na autoestima de suas vítimas. Fome, resignação, mesquinhez, inveja, vergonha, submissão, revolta, alienação, raiva e desespero são apenas alguns dos sentimentos que atravessam personagens que, via de regra, são bem difíceis de criar empatia, dada a complexidade com que foram construídas. Uma forma de realismo como o bom realismo precisa ser: contraditório e desassossegante, permeável às inúmeras forças que nos formam e nos fazem humanos.
Há, no entanto, um excesso de descrições/explicações do interior das personagens onde muitas vezes suas ações já tornavam seus sentimentos suficientemente claros. Enquanto estudo de psiquê, esse procedimento narrativo tem vários momentos de fina análise, mas corre o risco também de se tornar às vezes mastigado demais. Um falso defeito, talvez, que replica nosso afã por explicar, de maneira acachapante e de fácil descarte, as vidas que escolhemos não enxergar.