Luiz Pereira Júnior 26/07/2021
Politicamente incorreto, historicamente correto
Uma saga, um romance épico, uma longa história, um retrato do american way of life, um panorama de uma sociedade decadente em vias de mudanças... Sim, tudo isso (e bem mais) é o que se pode dizer de “E o vento levou...”. E o livro merece, sem dúvida, ser enquadrado, rotulado, classificado como tudo isso (e bem mais).
Nem vale a pena contar o enredo, já que é uma das obras mais conhecidas de todos os tempos e um dos filmes que, de tão clássicos, mesmo que não o tenhamos visto, temos a nítida impressão de que já vimos alguma cena dele em algum lugar perdido de nossa memória.
Li essa obra monumental (em todos os sentidos) em uma edição mais antiga, aquela da capa do cartaz do filme. Tive alguns acessos involuntários de riso devido à tradução dos nomes próprios (mas isso era comum na época, e não se torna um demérito para a leitura): Mellany vira Melânia, Suellen vira Suelena, Henry vira Tio Henrique... afinal, é um tanto estranho ler sobre um personagem chamado Tio Pedro em uma obra que se passa na mais estadunidense das guerras.
Além disso, também causa estranheza a tentativa de reproduzir oralmente a fala dos personagens negros, como se fossem caipiras, ignorantes, analfabetos e culturalmente inferiores. E nisso vai a maior polêmica do livro: sim, os negros são retratados exatamente como eram vistos na época da Guerra da Secessão.
Os protagonistas são bons em relação aos escravos, apenas pelo fato de os considerarem como inferiores e, mesmo assim, não os maltratarem. Mas, em momento algum, é possível perceber o tratamento igualitário dos brancos para com os negros. E isso chega a causar revolta, repulsa, espanto no leitor moderno.
Sim, o livro é politicamente incorreto avant-la-letre, ou, menos pedantemente, antes mesmo deste termo existir. Afinal, se a autora busca retratar como era o pensamento, como era a sociedade, como era a cultura e a ideologia da sociedade sulista daquela época terrível para os americanos, ela não poderia ter construído os personagens de outra forma.
E, sim, confesso que também pensei a mesma coisa que alguns leitores: o livro é bastante parecido com “Guerra e Paz”, mas se é um plágio ou não, deixo para os mais qualificados que eu julgarem a questão...
Vale a pena a leitura desse tijolão de mais de oitocentas páginas? Claro que vale, pois parece haver um pouco de tudo: narrativas (suavizadas) de guerra, romance beirando o sentimentalismo, descrições muitas vezes minuciosas de personagens e de paisagens, retrato de uma sociedade decadente (como já disse) mas que se nega a se ver no espelho, tramas rocambolescas que poderiam estar em qualquer novela da tarde, uma personagem feminina forte e inacreditavelmente amoral (para os padrões da época) e por aí vai. Bem, pra falar a verdade, só as maquinações de Scarlett para “nunca mais passar fome” já valem o preço do livro.