Flávia Menezes 01/09/2022
UMA SAÍDA DA ZONA DE CONFORTO, COM MUITO DESCONFORTO.
?As Espiãs do Dia D?, do escritor britânico Ken Follett, foi publicado em 2001, e é um suspense baseado em uma história real sobre as cinquenta mulheres inglesas que foram enviadas à França como agentes secretas durante a Segunda Guerra Mundial. Recriando cenários e dando vida à personagens que pudessem incorporar da melhor forma toda a bravura que essas mulheres tiveram para realizar tamanha tarefa, o autor reconta a história através do seu olhar.
Confesso que esse não é muito o meu tipo de leitura, mas como esse foi um presente, eu me permiti sair da minha zona de conforto dos romances sulistas norte-americanos, para me lançar em uma escrita bastante diferente, que não posso negar, me causou bastante desconforto.
Ken Follett é um autor consagrado pelos seus thrillers e romances históricos, mas confesso que não me identifiquei em nada com a sua escrita, e por mais que em momento algum eu tenha pensado em abandonar essa leitura, também não posso dizer que foi muito fácil terminá-la.
O começo da história parecia bastante promissor, com esse estilo que me lembrava o primeiro filme de ?Missão Impossível?, trazendo à tona a questão da espionagem, mas foi só os personagens começarem a ser apresentados para que meu desconforto tivesse início.
Quando se fala sobre escrita criativa em desenvolver personagens com traços reais, isso é um ponto crucial não apenas para que possamos nos identificar com eles, mas para que exista diferenciação entre um e outro. Afinal, na vida real, mesmo irmãos gêmeos univitelinos possuem personalidades diferentes. E esse foi um ponto bastante desestimulante, pois todos os personagens eram frios, indiferentes, e sem nenhum traço que pudesse diferenciá-los. O que tornou muito difícil acompanhar os diálogos sem se perder em quem estava falando.
Outra questão ainda voltada para os personagens, é que o autor força uma situação que não sentimos durante a leitura, como é o caso de querer promover a protagonista como uma mulher altamente interessante, a ponto de todos ficarem perdidamente apaixonados por ela. Porém, não é algo que sentimos por algum gesto ou comportamento do personagem. Os homens se jogam aos pés dela, mesmo ela sendo alguém fria, desinteressante, e com falas totalmente sem graça.
Sem contar que a história tem início com uma operação fracassada, na qual ela estava sob o comando, porém, magicamente, ela não precisa sequer prestar contas do ocorrido, e ainda continua sendo considerada altamente qualificada para outra operação bastante arriscada e que poderia colocar a vida de outras mulheres em risco. Mas que tanta qualificação era essa, se ela só falhava e não apresentou nenhum grande plano de ação? Senti que faltou um pouco mais de conhecimento do autor para desenvolver melhor essa parte.
Outra regrinha básica que o autor desconsidera é: ?não fale, mostre?. E esse é um erro que o Ken Follett cometeu bastante. Como é o caso de situações em que os personagens, ao invés de interagir para descobrir determinadas coisas (tal como um segredo, ou até um traço de personalidade), eles simplesmente olhavam um para o outro, e do nada, o segredo (por exemplo) aparecia em sua mente. Isso foi extremamente surreal, mostrando bastante imaturidade no desenvolvimento da cena.
E falando em personalidades, essa parte foi a que me deixou mais incomodada, porque ver um alemão, nazista, exímio torturador, agindo como um garotinho apaixonado e impressionável, e tendo uma reação exageradamente emotiva a uma determinada situação (que até poderia ser dolorosa, mas para um alemão nazista e torturador?) é simplesmente ridículo.
Sem contar esse perfil das espiãs. Eu chegava a ficar confusa, porque se são mulheres que foram recrutadas sabendo que não apenas podiam perder suas vidas, mas passar por torturas inimaginavelmente dolorosas, como é que o autor as descreve em cenas perigosas como mulheres cheias de medo, e emocionalmente abaladas? Como uma mulher iria atirar com precisão estando apavorada?
Aliás...como é que a espiã que dirigia a operação podia ficar se perguntando se era certo ter matado o inimigo, e se fazer aquilo não era errado e a faria se transformar em um ser humano abominável? Mas meu bem, o que você pensou que seria essa operação? Algum tipo de Esquadrão da Moda? Ou uma transformação radical no visual? Impossível ler essa parte sem ficar revirando os olhos.
Enfim, por mais que se trate de um suspense baseado em uma história real, confesso que nada nesse livro funcionou para mim. Nem a trama, nem a narrativa que é bastante lenta, nem muito menos os personagens que não achei nenhum pouco cativantes. E confesso que não me sinto muito motivada a conhecer outras obras do autor.
Porém, por ter sido um presente que recebi com tanto carinho, tem um aprendizado aqui que levarei comigo para as outras leituras, que é me permitir embarcar em uma leitura sem olhar tanto para essas falhas na escrita, e todos esses pontos de incômodo. É interessante o exercício de ler, sem levar tudo tão a sério. Apenas ler, e deixar que o autor nos conte a história até o fim.
E quer saber? Por mais que eu nem sequer goste tanto desse tema, quando vi que outra escritora e jornalista, Sarah Rose, lançou em 2019 o livro ?As Mulheres do dia D?, trazendo a mesma história real desse livro, contada também através de uma narrativa de suspense, porém mais focada em trazer detalhes da vasta pesquisa realizada pela autora, eu fiquei muito interessada em voltar ao tema e me aprofundar nele.
Afinal, é uma história real sobre o heroísmo de mulheres comuns, que sabotaram os nazistas e ajudaram os Aliados a vencer a guerra. Quer uma motivação melhor do que essa para querer saber mais do assunto? Acho que só isso já vale muito a pena, não é mesmo?