PorEssasPáginas 27/09/2014
A Cuca Recomenda: As Batidas Perdidas do Coração - Por Essas Páginas
Fiquei muito em dúvida se pedia ou não esse livro na nossa parceria com a Editora Verus. Por um lado, é um livro de uma autora nacional que é promessa do gênero e foi recomendadíssimo pelo blog Psychobooks. Por outro lado é um romance, ou sendo bem mais específica, um New Adult. Acho ótima a entrada de autores brasileiros nesse gênero que já é sucesso, mas é um tipo de leitura que sai um pouco da minha zona de conforto e que, até o momento, nas minhas leituras prévias, não me convenceu. No entanto, fui teimosa, a curiosidade venceu, e eu resolvi ler o livro. Como a própria autora o descreve, acredito que a melhor palavra para As Batidas Perdidas do Coração seja mesmo intenso.
Tudo é intenso nesse livro, desde os personagens, passando pela narrativa e chegando, finalmente, à reação do leitor. Foi só iniciar a leitura que me vi em uma montanha russa de emoções. Às vezes eu amava o livro, às vezes detestava. É meio complicado descrever a montanha de sentimentos que Bianca Briones desperta nessa leitura.
Nossos olhares se enfrentam. Ele é tudo que eu não quero agora e vice-versa. Mesmo assim, há exatos quarenta dias, por mais que nossos caminhos sejam diferentes, temos nos esbarrado nos cruzamentos.
O livro já começa com duas porradas (e, sim, vou falar palavrão nessa resenha, o livro é cheio deles o que é algo ótimo e dá vontade de falar palavrão): Viviane perdeu o pai para um câncer arrasador, enquanto Rafael perdeu quase toda a família ele, que já tinha perdido o pai alguns anos antes, agora vê sua irmã, tios e primo serem mortos em um acidente causado por um motorista bêbado, que sai impune do caso por ter as costas quentes. Enquanto Viviane vem de uma família rica, Rafael é de origem humilde e rala muito para viver. Duas pessoas extremamente opostas que se esbarram em um momento de extrema dor, no pior lugar do universo: um hospital. E aqui há a primeira incoerência do livro, apesar de não ser tão importante assim para a trama: se a família de Viviane é tão rica e a de Rafael é bem mais humilde, como seu pai e a família de Rafael morreram no mesmo hospital? Infelizmente sabemos muito bem que para cada tipo de pessoa (na verdade, de bolso), há um tipo de hospital.
Essa não é a única incoerência do livro, infelizmente. Há outras, algumas relevantes, outras não. Mas na verdade nem foram elas que me incomodaram e sim dois fatos: o primeiro, a falta de ambientação. Algumas (poucas) vezes é comentado no livro que a história se passa em São Paulo, mas se isso não fosse dito, eu não saberia, não sentiria. Há pouca (ou nenhuma) ambientação. O leitor não sente o clima da cidade, não percebe que está lá. Se não fosse dito que o pai de Viviane era o publicitário mais importante de São Paulo eu jamais saberia que é nessa cidade que o livro se passa; do jeito que ele foi escrito, poderia se passar em qualquer lugar, e sinto muito, para mim isso é uma falha. A ambientação é importante.
O segundo ponto que me incomodou foram as músicas. Cada capítulo tem uma música tema, um trecho citado logo no início, e isso é ótimo. As músicas também são muito boas e refletem o clima do livro. Então por que você está implicando tanto com isso, afinal? Porque há poucas músicas brasileiras e, sendo um livro brasileiro, eu esperava um pouco mais de valorização das nossas boas músicas. A primeira vez que uma canção brasileira é citada nessa estrutura dos capítulos é somente lá pelo capítulo 18, na página 87; eu quase dei pulos de alegria quando vi, mas infelizmente essas citações pouco se repetem. Não cheguei a contar, mas certamente não passa do número dos dedos das mãos, e o livro tem 80 capítulos! É muito pouco e isso me deixou decepcionada.
Mas falando agora da trama, excetuando-se esses pequenos problemas, Bianca Briones conseguiu dar um ótimo tom ao livro e de verdade encontrou a voz dos seus personagens. Os capítulos são intercalados entre Viviane e Rafael, e a escrita deles é extremamente diferente, até mesmo avessa, o que foi perfeito. Não é como em alguns livros muito aclamados por aí que você confunde os personagens, não mesmo! Assim como as personalidades de Rafael e Viviane são opostas, assim é a escrita dos seus capítulos: enquanto com Rafael temos porradas e mais porradas, com Viviane temos capítulos mais sensíveis, mas ambos são sempre carregados de sentimentos intensos. Falei que a palavra para esse livro era intenso, não falei?
Os quadros são fotografias de Johnny Cash. Eu não saberia dizer quem é se não estivesse escrito. Um deles é apenas uma imagem de Cash segurando um violão e mostrando o dedo do meio. Tão Rafa que é difícil não sorrir.
No outro, há uma imagem do cantor olhando para baixo, com fogo em volta e uma frase: I hurt myself today to see if I still feel. I focus on the pain, the only thing thats real.
A história foi me conquistando aos poucos, como acontece quando a gente se apaixona. E, na verdade, Bianca me conquistou primeiro com seus personagens secundários; foi a amizade do primo de Rafa, Lucas, e do irmão de Viviane, Rodrigo, que me emocionou pela primeira vez no livro. O romance de Rafael e Viviane, apesar de bem construído, só foi me conquistar quando o livro começou a fazer um ótimo paralelo com a história de Johnny Cash e June Carter. Aí eu me peguei com um sorriso no rosto e decidi que tinha sido conquistada. Mas o livro não acaba por aí, não é apenas uma história de amor em que os protagonistas se encontram e ficam juntos; é um livro sobre amor, paixão e cenas quentes (muito quentes, e muito bem escritas!), mas é, principalmente, um livro sobre dor e como lidar com ela. Há cenas verdadeiramente tocantes, que arrancam lágrimas e suspiros do leitor, e há cenas que arrancam socos de raiva. Confesso que fiquei com muita bronca do Rafael no final e não torci para que os dois terminassem juntos, apesar do livro ter encerrado com um bom final. Na vida real, porém, eu torceria para que o destino de Viviane fosse outro.
É incrível como a autora vai brincando com os nossos sentimentos à medida que a história se desenlaça e a reação que eu tive acima é prova disso. Eu comecei o livro gostando muito mais do Rafael e torcendo o nariz para Viviane, mas terminei abraçando Viviane e querendo dar um soco na cara do Rafael. Há uma boa parte do livro que fala sobre o assunto de drogas e violência, e nesse ponto a autora merece todos os elogios: as cenas foram incrivelmente bem descritas e o capítulo narrado por Rafael quando ele passa por uma crise de abstinência é um dos melhores de todo o livro e o que mais demonstra a habilidade de Bianca Briones como escritora.
A edição da Verus está boa; gostei da capa e do fato de que as letras que compõem o título são as mesmas utilizadas nos capítulos, sendo a de mão, mais delicada, de Viviane, e a de forma, mais bruta, para Rafael. No entanto, as notas de rodapé traduzindo todas as letras em inglês me irritaram um pouco, acredito que elas sejam desnecessárias para o tipo de leitor que esse livro vai atingir, um público que provavelmente conhece essas músicas e já sabe o que significam as letras. Já a fonte para o miolo é a mesma que a editora usa em outros livros e uma coisa que incomoda é que em todas as obras ela sempre parece meio apagada, fraca, e quando é noite fica sempre mais cansativa a leitura. Há várias citações no livro, que vão além da música e passam por cultura pop, e aí eu não sei se foi determinação da autora ou da editora, mas essa citações vêm sempre acompanhadas de explicações desnecessárias e desagradáveis, o que não é um serviço para o leitor, mas sim um desserviço à obra. Citações, ao menos ao meu ver, não devem ser explicadas; se o leitor não entender, é obrigação dele ir procurar. A sensação que dá é que o livro está chamando o leitor de burro explicando minunciosamente o que está acontecendo.
() me abraça tão forte que me sinto um gatinho nas mãos da Felícia, do desenho animado Tiny Toons ()
Mas, na verdade, não importa tanto se a leitura é desequilibrada, se às vezes você se pega odiando e amando na mesma intensidade o livro e os personagens. Talvez isso realmente seja o ponto e o encanto do livro, essa loucura, essa confusão de sentimentos. O que importa mesmo aqui é que se a autora consegue despertar tudo isso, é porque certamente você precisa ficar de olho nela e ler As Batidas Perdidas do Coração. Especialmente se é fã de romances.
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