larissa viana 13/07/2022
se esvaía sem que pudéssemos sentir seu sabor: nossas vidas.
Não foi tão fácil escrever sobre esse livro quanto me pareceu que seria. Afinal, se trata de um livro de memórias de outra pessoa, a qual teve sua vida interrompida aos 17 anos ao ser internada em um hospital psiquiátrico entre 1967 e 1969. Portanto, quero deixar claro que não estou avaliando a experiência da autora, já que isso só diz respeito a ela mesma e eu estaria desumanizando-a ainda mais (como se ser isolada da sociedade por não se encaixar nela já não tivesse feito isso o bastante). A intenção da minha avaliação, então, é incentivar outras pessoas a lerem o livro. Primeiro, por tratar de temas fortes como saúde mental, isolamento, suicídio, sexo, vícios e sexismo; é sempre importante sair da zona de conforto e aprender um pouco mais sobre assuntos que incomodam. Segundo, apesar de o livro apresentar um teor sério e confrontador, Kaysen, com seu intelecto afiado, estilo de escrita inexpressivo, irônico e despojado e um modo de expor fragmentos que muitas vezes mais parecem poemas em prosa que capítulos, acaba tornando a leitura mais "leve". Por conta desse estilo inexpressivo, mesmo conversando com o leitor diretamente, muitas vezes Susanna descreve sua experiência sem revelar muito sobre como se sente, deixando as conclusões para quem lê. Afinal, como a própria editora de Kaysen, Robin Desser, declarou em uma entrevista ao The Boston Globe, em 2014, ??Girl, Interrupted? foi um livro pontuado por silêncios." Silêncios que, segundo ela, algumas pessoas estavam preenchendo com suas próprias histórias. Na mesma entrevista, a autora declara: ?Este livro é um artefato. [...] Não é uma transcrição da realidade.' E ao conversar com o The Paris Review, em 2018, ela diz que, apesar de as pessoas estarem se identificando, ela não estava tentando alcançar ninguém ao publicar suas memórias; na verdade, o que a estimulou a escrever foi a raiva e o desejo de dissecar o mundo e, por certo, podemos enxergar isso ao longo das 190 páginas. Uma vez que, 25 anos após ter recebido alta e contratado um advogado para ajudá-la a ter acesso aos seus registros, a autora tenta dissecar não só o mundo mas, também, as pessoas e os motivos que a fizeram ir parar na ala psiquiátrica do Hospital McLean. Ao fazer isso, não só sua própria história, mas as de outros pacientes e funcionários e suas experiências são contadas em uma série de ensaios curtos não cronológicos, onde a linha entre a sanidade e a loucura torna-se tão tênue que muitas vezes os pacientes parecem racionais e os profissionais, malucos. Através de sua narração e da comparação de sua situação com outros que são verdadeiramente incapacitados por psicoses, automutilação, bulimia, depressão e abuso de substâncias, somos solicitados a considerar a natureza da sanidade e os limites entre ela e a insanidade. Kaysen estava mentalmente incapacitada ou apenas não cumpria as expectativas que seus pais e a sociedade haviam posto nela? Outro fator que nos faz considerar seu ponto de vista, é que ela foi internada após uma breve sessão, que não durou mais que 30 minutos, com um psiquiatra que nunca havia lhe visto e, provavelmente, só ordenou sua internação por levar em conta preconceitos de gênero - ideias preconcebidas sobre o comportamento adequado e são de uma mulher da época. Levando em consideração isso e tudo que é exposto no livro, Susanna nos pede para tirarmos nossas próprias conclusões e decidir quem estava certo, ela ou o psiquiatra que a internou, ela ou o mundo que isolou, não apenas ela, mas todos os outros pacientes. Todavia, acredito que mais importante que isso é entender que devemos parar de estereotipar pessoas comtranstornos mentais e começar a aprender mais sobre o assunto, pois a ignorância só nos leva a desumanizar cada vez mais pessoas que já estão enfrentando problemas.