Márcia 07/08/2011Magistralmente humano
Cometi o erro terrível de não registrar um histórico de leitura decente para esse livro. Tantos pontos deveriam ter sido comentados ao longo da leitura, que pecarei agora por memória fraca.
A primeira impressão é de um livro extremamente minucioso e bem construído. Narrativa naquele estilo de memórias, que causa nostalgia, forte e delicada ao mesmo tempo.
Eva é uma personagem bastante ambígua. Ao mesmo tempo em que o leitor é levado a se compadecer pela peça do destino em lhe enviar um filho tão problemático e, obviamente, difícil, e um marido completamente cego para os seus problemas com o rebento, há também a possível impressão de que na verdade, a culpa é dela – por não ser boa mãe o suficiente, ou por não desejar suficientemente Kevin para que ele fosse normal.
Lembro-me de que uma sensação incômoda que me acompanhou durante boa parte da leitura refere-se ao fato de que o que é passado pela personagem é que seu filho nasceu estranho. A autora cria a psicopatia de Kevin de forma que o leitor tenha que acreditar que ele nasceu daquela forma. Um bebê inteligente, cruel e mesquinho o suficiente para levar a mãe à loucura, criar intrigas e brigas entre os pais em menos de 1 ano não me convence.
Kevin era um bebê para o pai – sempre foi – enquanto que para a mãe, era um monstro disfarçado com fraldas.
À parte essa sensação incômoda de que havia algo errado, não se envolver com Eva nessa situação é impossível. O que você faria no lugar desta mulher? A narrativa é incrivelmente sedutora. Kevin, já crescido, não é nada menos misterioso e cruel que o Kevin bebê-monstro.
O personagem, mesmo tendo suas ações e diálogos narrados pela figura materna, a quem atormenta desde o colo, consegue ter um “q” de sedução. Perturbador e ousado, Kevin é um personagem complexo e estranho. Apenas no final consegui vislumbrar algo de Kevin sem o véu da narração de Eva. Quem é o Kevin realmente, ninguém jamais saberá. Sua mente brilhante e doente permanecerá oculta.
Mais complexo é esse livro. Cheio de sentimento e questionamentos sobre o que é certo e errado ao criar um filho, sobre o casamento e o amor familiar. Em determinado momento, quando a tão remoída quinta-feira é finalmente narrada na íntegra por Eva, meus olhos se turvaram de lágrimas e consegui enxergar tudo sobre o que a autora falava desde o início.
Eu não diria estômago, mas é preciso nervos de aço para ler sobre o Kevin. E o final é magistralmente humano.