Otávio - @vendavaldelivros 10/05/2024
“Ora, meu amigo, é muito bom dizer isso quando se olha de fora. Aqui dentro eles já estão, como o senhor diz, legitimados. As coisas são mais complicadas do que vocês pensam de longe.”
A violência não nasce nas cidades do nada. Existe uma história por trás dos fatores que a geram. Seja a desigualdade programada, seja o racismo ou a ausência por décadas de políticas públicas, a violência é um sintoma, um sinal de questões mais profundas. A cidade do Rio e suas camadas de violência é uma prova em sangue e dores disso.
Publicado em 1994, Cidade Partida do jornalista Zuenir Ventura parte da Chacina de Vigário Geral, ocorrida um ano antes, para entender a violência na cidade e os fatores que levaram até aquele ponto, no começo dos anos 90. A chacina de Vigário Geral foi um massacre cometido por policiais militares contra moradores da comunidade de mesmo nome, em resposta à morte de quatro policiais na comunidade, alguns dias antes. Foram 21 mortes de pessoas sem nenhum envolvimento com o tráfico, menos ainda com as mortes dos policiais.
Zuenir inicia o livro trazendo um pouco da história da criminalidade na cidade, bem como a formação tanto de grupos de traficantes como de milicianos e grupos de extermínios. É um dos pontos altos do livro, que apresenta personagens e fatos importantes para a compreensão do cenário da época (e atual) da cidade.
Após essa introdução, o autor fala sobre a chacina, suas consequências e os desdobramentos que geraram os movimentos pela paz na cidade, como o Viva Rio. Ao mesmo tempo, Zuenir fala sobre sua relação com moradores da comunidade e a busca por uma entrevista com Flávio Negão, chefe do tráfico em Vigário Geral. A entrevista, pra mim, é a melhor parte do livro e mostra muito bem como as relações que envolvem a criminalidade não são “preto e branco”.
Livro interessante para complementar o entendimento sobre a violência e as ORCRIM que atuam na cidade do Rio. Zuenir, para mim, pecou algumas vezes com uma visão elitista, desconectada e soberba, além de focar um pouco demais em figuras públicas que não agregam tanto ao contexto geral. O livro acaba sendo um pouco datado, mas vale a leitura para quem se interessa pelo tema.