Leitora Viciada 09/09/2012Quando vi o título do livro e a capa e li a sinopse pensei: "Vou chorar muito com esse livro até perder a respiração, por sentir saudades da minha mãe, falecida há quase treze anos." Só de imaginar um livro com o foco principal sendo o relacionamento entre mãe e filha, por mais diferente que seja de como era a relação com minha mãe, eu sabia que iria me emocionar.
A Novo Conceito está de parabéns pela publicação, como sempre trazendo um livro de qualidade editorial excelente, desde a parte gráfica até à revisão e diagramação.
Apesar de o tema central ser o relacionamento de Mariana, a filha e Helena, a mãe, toda a família está diretamente envolvida e influenciando o rumo da história. É o tipo de livro onde as personagens são imperfeitas e os acontecimentos são reais, por isso, causa rápida e fácil ligação com o leitor.
Uma família enfrentando conflitos do cotidiano que trazem altos e baixos aos integrantes. Ás vezes os problemas os afastam; em outros momentos, os unem.
A narrativa é em primeira pessoa, contada pela filha e o ponto de partida é a descoberta da gravidez. Ela reflete sobre questões não resolvidas sobre seu passado com sua mãe, e principalmente consigo mesma. Percebe naquele momento que resolver essas pendências sentimentais e psicológicas é a prioridade em sua vida. Como ser mãe se ainda não compreende o relacionamento com a sua própria?
Como ser uma boa mãe se não tem certeza se é uma boa filha? Mariana não quer repetir os mesmos erros que sua mãe cometeu com ela; ao mesmo tempo, analisa e assume que grande parte desses problemas foram direta ou indiretamente gerados ou ampliados por si própria e as armadilhas da vida.
Então ela nos apresenta sua família, suas origens, sua infância e adolescência. Se concentra em sua mãe, claro, mas nos detalha também seu pai e seu irmão.
A narrativa é muito dinâmica e nada rebuscada, porém é elegante. O livro é recheado por muitos diálogos e eu achei essa abordagem perfeita para o caso.
Não gostei da forma como ela narra fatos em que não esteve presente. É lógico que foram relatos que contaram a ela, por isso acho que a forma como ela nos conta deveria ser diferente. O modo como ela narra o passado dos pais e acontecimentos não vivenciados por ela soa como se ela estivesse estado lá e destoou do restante da narrativa. Um exemplo disso é a reprodução total e detalhada de diálogos. Ela não presenciou o ocorrido, então deveria ter contado de forma mais superficial.
Por um momento pensei se o livro teria ficado mais interessante se a narrativa se alternasse entre mãe e filha, ou apenas pela mãe, porém me enganei. No decorrer da leitura descobri que a autora escolheu perfeitamente a filha como narradora. Ficou impecável, nesse fator.
Os conflitos emocionam, mas não o suficiente para marcar ou fazer chorar. No entanto, diversas partes me fizeram parar e refletir o relacionamento entre pais e filhos. Muitas vezes percebi estar divagando sobre como era minha vida com os meus pais, ou como eu via primos com tios, ou meus pais com meus avós, ou até mesmo amigos com seus pais.
No caso da Mariana e sua família, a competição entre ela e seu irmão pela atenção e carinho dos pais é notável, assim como a união e cumplicidade existente entre os dois. Uma disparidade, não? Outra ponta principal é a competição entre mãe e filha, mas pelo amor do pai. Mariana é mais próxima do pai, com quem possui muito mais amizade e isso deixa Helena frustrada.
E o principal do livro: Mariana não compreende que não adianta tentar assumir o papel de mãe e querer cuidar de tudo e todos e se mostrar autossuficiente, seja emocionalmente ou nas decisões em sua vida - acaba errando e deixando de pedir ajuda em momentos difíceis. Ela não compreende que precisa da mãe, além do pai, mesmo não existindo o mesmo tipo de demonstração de carinho e companheirismo entre elas.
Por outro lado, vemos a todo o momento a versão da mãe através de suas atitudes e história de vida, e embora Mariana seja a narradora de tudo, ela não percebe a visão e sentimentos de Helena! Essa é a grande questão: Mariana nos conta tudo, e nós, de fora, percebemos seus erros e falhas e ela, mesmo desabafando, demora a perceber coisas essenciais.
Mesmo sua mãe sendo uma pessoa difícil de ser compreendida, Mariana se acha tão mais simples, no entanto, é um reflexo da própria mãe.
A autora aborda temas atuais como drogas, aborto, homossexualismo, sexo, dentre outras coisas que não posso mencionar para não estragar a leitura. Tudo de forma bastante natural e liberal, e ao mesmo tempo de forma suave e branda, transformando a leitura em boas reflexões para os jovens.
Certamente o destaque do livro não é Mariana. É sua mãe, Helena. Complexa, imprevisível e forte. Uma personagem poderosa que foi bem explorada. Mariana é interessante, mas perde sua luz com uma mãe tão cheia de personalidade. Seu irmão sofre enormes mudanças e choques e traz conflitos importantes para toda a família e essenciais para o livro. Já o pai, sendo tão bondoso, amigo e correto acaba se perdendo entre as outras personagens e sua falta de atitude me irritou por diversas vezes, um homem aparentemente fraco que foge dos conflitos e discussões. Até vê-lo finalmente ter pulso firme e "sair de cima do muro" eu o achava entediante.
Sobre o desenrolar da história, eu achava que o rumo estava sendo muito previsível e sem inovação alguma, mesmo as páginas estando lotadas de conflitos familiares e psicológicos.
Até que, num certo momento, a autora introduz personagens secundárias, modifica o rumo dos fatos e traz emoção e ação de forma especial. A história esquenta e cada vez mais as descobertas de Mariana (quase todas já percebidas pelo leitor) cativam de forma perturbadora - muito diferente do início morno.
O livro poderia ter um início melhor, mas com o andamento da leitura não me arrependi em lê-lo e me deixei mergulhar na história. Principalmente por causa da Helena.
Apesar do relacionamento entre Helena e Mariana em nada se parecer com o que eu tinha com minha mãe, notei que na verdade, se parece em muitos aspectos com o relacionamento que existia entre minha mãe e minha avó. Um dos motivos para minha mãe ter tido sua primeira filha com trinta e dois anos de idade e a segunda aos trinta e seis (tarde para a década de 1980) foi justamente ter refletido sua existência como filha - ela me contou isso e tenho seus velhos diários de quando era adolescente. E até seu último dia de vida, sua relação com minha avó era muito semelhante à mostrada no livro. Por isso achei a história do livro atemporal e muito verdadeira.
É um livro psicológico, reflexivo, introspectivo, leve e profundo. É necessário buscar na simplicidade de suas páginas e diálogos as mais profundas e complexas entrelinhas sobre o relacionamento humano, principalmente familiar. Uma boa e emocionante leitura, mesmo não sendo impactante. Os amantes de Psicologia (não necessariamente profissionais) irão adorar o livro ao destrincharem as personagens.