Michele Duchamp 18/01/2021Pondé , um negro cotista com uma passagem de avião no bolso e uma mulher nelson rodrigueana entram num bar...O Guia Politicamente Incorreto da Filosofia é um daqueles livros que você se arrepende de ter lido, embora a culpa seja sua mesma. Ler um homem cujo orgulho intelectual é a ofensa gratuita - não tem como dar errado, né?
Não se engane: a filosofia está só no título. O guia analisa mesmo o “politicamente correto”, que abrange uma gama de assuntos, aparentemente todos com um ponto em comum: demonstração de empatia e cuidado com as palavras. O importante mesmo é falar sem filtro, doa a quem doer. Afinal, não se deve condescender em nada e não usar palavras ríspidas é OBVIAMENTE o mesmo que concordar com a opinião contrária. Quando chegamos nesse estágio?
Minha resenha deveria começar assim: fui ao zoológico para ver os macacos jogarem frutas em mim ao invés de ficar lendo o livro do Pondé e obtive intelectualmente os mesmíssimos resultados.
O autor desfila página após página seus fetiches: aeroportos sem pobres, gente sem dinheiro proibida de rir em público, reiterar que é Hamlet, o rei dos pessimistas, sentir prazer em observar pessoas atormentadas pela culpa, babar sobre mulheres belas e tirar fotos usando cachimbo e echarpe.
As análises (RISOS) de Pondé são rasas e é como conversar com o tiozão da ceia de Natal, mas o tiozão que disserta sobre Hegel e toma chá com o dedo mindinho levantado. Aquele homem que está sempre à espreita dos menores escorregões na sua fala para dizer como você é petista e escravo do “mimimi”. Pondé, não tenho dúvida, deve ser a alegria das festas.
Ele relata a ocasião em que estava sentado ao lado de uma amiga feminista que “surpreendentemente não era feia e azeda”. A moça começou a passar mal e ele sugeriu que poderia ser pressão baixa. Como toda pessoa com “vocação tagarela”, ele não se limitou a isso, mas teve que dar um sermão dizendo que esse é um problema comum nas mulheres.
O nosso “filósofo do cotidiano” tem como missão fazer contraponto à esquerda, mesmo que caia em contradição. Um exemplo nesse trecho:
“A palavra [aristocracia] significa que aristocrata é um membro do grupo dos melhores de uma cidade ou grupo social. O termo foi evidentemente usado para descrever sociedades hierarquizadas pelo nascimento ou herança de sangue familiar, ou pelo poder econômico ou patrimonial herdado. Mas a filosofia cedo criticou esse uso, apesar de também reconhecer que a linhagem de nascimento, assim como a de herança patrimonial, muitas vezes pode predispor alguém para ter mais virtudes pela “sorte” de ter nascido bem. Claro que você pode nascer pobre e melhorar, nascimento não é destino, mas é muito mais fácil dar certo na vida se você tiver sorte com a família e a classe social em que nasceu..”
Se você pensa que alguém, por conta da herança geracional, tem muito mais chances de “vencer na vida”, quer dizer então que sua conclusão lógica seria a de que as cotas raciais/sociais estão corretas, certo? Mas Pondé conclui justamente o oposto (inclusive escreveu um artigo para a Folha de São Paulo em 2020 afirmando justamente ser contra as cotas e dívida histórica).
Para pessoas ideológicas, não existe meio-termo. Então se você admira e respeita o povo indígena, você quer viver na floresta sem chuveiro quente.
Pondé adora responder questionamentos que ninguém quis fazer, como a gente que gasta horas respondendo argumentos na nossa mente de discussões que não existem.
Então ele condescendentemente acha que os leitores o acusam de cínico, frio, sem coração e que se chocam por ele falar “verdades” de forma tão brutal. Todo politicamente incorreto se trata como único exemplar da espécie e que estamos ouvindo suas barbaridades pela primeira vez, quando as redes sociais já estão saturadas com opiniões desse tipo. O que sinto mesmo é cansaço e resignação. Não quero mudar a opinião de ninguém. Eu mesma já estive em vários campos ideológicos, existem aspectos tanto da direita quanto da esquerda que são válidos, mas essa ideia de ter a posse exclusiva da tocha salvadora é um pouco ingênua. Enfim, esse tipo de viés político em tudo não me agrada.
Resumo de pessoas que pensam como o filósofo:
Pessoa diz que gosta de Chico Buarque, Caetano Veloso etc = É estúpida, os acha o supra-sumo da cultura, não entende nada de Aristóteles e escuta funk.
Uma vez eu vi uma série em que o personagem chamado Alex diz que uma mulher jamais esqueceria um livro de Baudelaire na geladeira, coisa que o personagem Fred havia feito, e este retruca: “Você está dizendo que as mulheres são fúteis e burras?” Alex: “Eu não disse isso”. Eu me sinto na mesma posição do Alex , eu só gosto de ouvir as músicas, só isso. Relaxe.