Nath 02/09/2020
PERFEIÇÃO É A MORTE. SOMENTE A IMPERFEIÇÃO É INFINITA.
"Eu não existirei mais, então o que será? Não será nada. Então onde eu estarei quando não existir mais? Será mesmo a morte?"
IN-CRÍ-VEL!
Essa novela curtinha me deixou em posição fetal durante meia hora após o desfecho e me arrancou lágrimas.. O ÚNICO livro desse devastador ano de 2020, que conseguiu me fazer chorar agarrada as páginas finais.. Tolstói, EU TE AMO!
O meu ETERNO amor a você como leitora! *-*
Cento e tantas páginas de novela que conseguiram “brincar” com os meus medos e anseios mais primitivos, e depois transformou tudo em lágrimas de esperança. Como isso aconteceu, eu até agora não sei.. Tanto que eu simplesmente não consegui iniciar a minha próxima leitura enquanto esse furacão chamado Ivan Ilitch, não cessasse dentro de mim. É simplesmente a novela/conto mais DEVASTADORA que eu já li na vida!
MAS COMO FALAR DA MORTE SEM PARECER CLICHÊ, ou mesmo vulgar? Eis um enigma que o nosso Tolstói resolveu com maestria: a morte nessas páginas é tão real que chega a doer nos ossos do leitor.. E o Tosltói tratou o assunto da forma mais clara possível, colocando o dedo na ferida e mostrando o que todo ser humano pensa e sente diante do inevitável fim alheio:
"(..) o próprio fato da morte de um conhecido próximo despertou em todos que ficaram sabendo dela, como sempre, uma sensação de alegria por ter morrido o outro, e não eles. (..) "Pois é, morreu. Mas eu, não.", pensou ou sentiu cada um deles.". Pág. 23
É impossível encerrar a leitura da Morte de Ivan Ilitch e não se pegar pensando no mínimo por cinco minutos sobre a própria morte. É aquele momento de reflexão sobre "somos todos mortais, e eu também sou, e um dia todos teremos o mesmo fim etc etc".. Mas esperamos todos que não seja tão problemático quanto o fim do nosso protagonista, o Ivan Ilitch.
Entretanto, a despeito de todo sofrimento do protagonista, o "motivo" de sua morte foi mesmo banal... E poderia acontecer com qualquer um, inclusive comigo mesma, ou com vc, a qualquer momento.
Bom, o livro já iniciou no enterro do protagonista e sob a ótima da esposa, dos filhos e dos "amigos" de trabalho. Temos então um começo que inicia pelo desfecho!
Mas logo nos primeiros parágrafos percebemos claramente que durante o velório a esposa estava muito mais preocupada com o próprio bem estar e se vai ou não usufruir dos bens do falecido marido; a filha mais velha vela o corpo do próprio pai sem tanta “emoção” assim... E os "amigos" de trabalho encontravam-se todos muito mais animados do que pesarosos sobre “almejarem” o antigo cargo de trabalho do falecido colega.
Todo o cenário do velório, na verdade, é uma grande hipocrisia! E isso o Tolstói faz questão de esfregar na cara do leitor e deixar claro o tom que a narrativa seguiria daquele momento em diante.
Daí a ótica mudou abruptamente e o nosso falecido assumiu o comando narrativo e nos contou tim-tim por tim-tim como a sua trajetória de vida sucedeu-se até aquele fatídico e revoltante desfecho. E MDS! Eu não poderia contar mais, pois todos precisam ler para saber.. Mas essa foi uma trajetória que, como leitora, eu me lembrarei para sempre!
O que o Tolstói fez nesse livro foi algo incrivelmente grandioso, ao falar do incompreensível, do imensurável, com tanta lucidez e clareza; fazendo com que o leitor sentisse por um instante a possibilidade de alcançar a mesma clareza de apreender o inapreensível, e mesmo compreender a inevitável morte como certeza única da vida. Na Morte de Ivan Ilitch todos morremos. E devemos fazer da vida algo que valha a pena a ser lembrado nos derradeiros instantes finais.
Como já disse o escritor Vladímir Nabókov, autor do famoso Lolita, em seu livro Lições de Literatura Russa:
"Tolstói é o maior prosador russo. Deixando de lado seus percursores Púchkin e Liérmontov, podemos relacionar os maiores autores russos em prosa da seguinte forma: primeiro, Tolstói; segundo, Gógol; terceiro, Tchekhov; quarto, Turguêniev. Isso é muito semelhante a dar notas nos exames dos estudantes, e sem dúvida Dostoiévski e Saltykov estão esperando do lado de fora do meu escritório para discutir seus maus resultados."
Polêmicas e injustiças á parte referente ao também incrível Dostoiévski, o Nabókov estava coberto de razão. O Tolstói foi mais do que um mestre prosador, foi um artista mundano que propôs uma revolução estética e moral por meio da escrita como um dileto criativo transformador.