spoiler visualizarHMF 06/02/2013
Isso não é uma resenha
Não é o pior livro que li, mas é um dos poucos que realmente achei ruim.
A contracapa é promissora, e bastante direta -- é suspense (ou terror, não sou muito bom em classificações), tem fantasma ou qualquer coisa do gênero. Mas a obra deixa a desejar. Nada de errado com a escrita -- a leitura é até agradável. Os problemas são outros:
Arthur, o personagem principal, é tão cativante quanto um banheiro público. Não que seja detestável, mas é insosso. E tem distinta inaptidão para descrever sentimentos -- a estória é ele narrando o passado, e ele dedica longos parágrafos para expressar seu ânimo quando assustado (ou ressaltado, ou ressabiado, ou atônito, ou curioso, ou determinado, ou destemido, realmente não sei) e falha miseravelmente. Geralmente, os idioma conseguem definir uma ideia inteira, referente a um sentimento, em uma só palavra. Talvez, sendo concessivo, sejam necessárias duas ou três (se na sua língua mãe não existir a palavra "saudade", por exemplo). Mas parágrafos inteiros é exagero.
Não é só -- tem o fantasma. A fantasma, que não tem nada de particularmente assustador. Sim, a simples ideia de ver um indivíduo descarnado é, por si, suficientemente apavorante, mas todas as obras desse nicho tem um (no mínimo). O Gasparzinho é um fantasma e, exceto o fato de que ele era uma criança quando morreu, não tem nada de perturbador nele. Mas a fantasma do livro é... mundana. Comparada, por exemplo, com o que aparece no "A estrada da noite", do Joe Hill, a mulher branca de vestido preto e com pouca carne nos ossos mete tanto medo quanto um bolo de aniversário. E, como falei, exceto o fato de que ela é um fantasma, ela não parece se esforçar muito para incutir medo nos outros. Uma aparição aqui, outra ali, uma cadeira de balanço batendo no chão, gritos e carruagens afundando... o típico arsenal dos finados. Nada exatamente agressivo -- ainda assim, Arthur entra em parafuso só de pensar que vai enxergar o bicho. E, pior, depois que a "maldição" dela é revelada, Arthur sumariamente a esquece. Pode ser particularidade minha, mas eu prefiro ver um fantasma inofensivo seis vezes ao dia do que considerar a possibilidade de perder um filho por causa de uma vingança mal explicada.
Poder-se-ia dizer que a ideia da autora era precisamente retratar o espírito de uma forma mundana, menos caricata, e torná-lo mais... adaptável ao cotidiano. A velha história de fazer o leitor temer o sobrenatural-comum, e não o sobrenatural-extraordinário. Arthur, inclusive, descaradamente destaca isso (no primeiro capítulo, antes de começar a contar o passado). Se não fosse por um simples detalhe -- o fantasma aparece numa casa abandonada e isolada num frígido canto da Inglaterra que parece ter sido vítima de ostracismo. Se tem algo que berre mais por assombrações do que um casarão abandonado, é um casarão abandonado num lugar que se chama brejo da enguia -- eel marsh house, em inglês; como se fosse necessário espantar todos os carteiros até o apocalipse.
Outra coisa: fora a "maldição" a que me referi, não há qualquer grande revelação. O livro segue, se aproxima do fim, acaba, e o leitor fica esperando o prestige. Mas ele não vem -- na edição que tenho, a propósito, o livro acaba sem ponto final. E até o infortúnio que recai sobre Arthur (spoiler: a mulher e o filho morrem) não é grande surpresa (se as dez primeiras páginas do livro foram lidas com atenção, fica claro desde o começo que sua noiva, Stella, faleceu; que seu sócio, de alguma forma, se sentia culpado por isso; e que a morte dela tinha alguma relação com o negócio que Arthur foi resolver na casa do brejo da enguia). O livro simplesmente acaba. E talvez tenha sido melhor assim.
Fiquei com a impressão de que o livro foi escrito depois de terem lançado o filme. Porque, garantido, a súbita aparição de uma mulher de preto, na telona, pode ser o suficiente para que os espectadores gritem histericamente. No livro, quando ela aparece, ela causa enfado.
Sempre pensei que nunca diria isso, mas lá vai: o filme é melhor que o livro. E eu nem assisti o filme.