Julia G 09/10/2015Delírio Alguém que já se apaixonou sabe o quanto o amor torna as pessoas vivas: o quanto o coração palpitando, a adrenalina percorrendo o corpo e as pernas tremendo preenchem os dias e dão esperança de um futuro melhor, mais feliz. E se esse sentimento fosse diagnosticado como uma doença? No mundo em que Lena vive, o amor já não é considerado algo bom; pelo contrário. Existem procedimentos de cura, e tanto aqueles infectados, quanto os simpatizantes e os inválidos, podem sofrer punições terríveis.
"Não gosto de pensar que continuo andando por aí com a doença em meu sangue. Às vezes sou capaz de jurar que posso senti-la se movendo por minhas veias como algo estragado, tipo leite azedo. Isso faz com que me sinta suja, me faz pensar em crianças pirracentas, em resistência, em meninas doentes raspando o chão com as unhas, arrancando os cabelos, babando.
E, é claro, faz com que eu me lembre de minha mãe."
Falta pouco para que Lena complete 18 anos. Só lhe resta um verão antes da cura, e ela não consegue esconder a ansiedade para realizar A Intervenção, especialmente por causa do histórico da doença em sua família e do estigma que esteve com ela durante toda a sua vida. Ela só não podia imaginar que nesse interstício conheceria Alex, o garoto que colocaria todas as suas crenças em cheque.
Delírio, de Lauren Oliver, foi lançado em 2012, e desde então eu quis ler o livro. Por algum motivo que não me recordo, não foi possível, e só este ano consegui tirar o exemplar da estante. Não sei se me arrependo de não ter lido antes, ou se só gostei tanto do livro por tê-lo lido no momento certo. Independente do que poderia ter sido, o fato é que eu amei o livro e quero espalhar esse amor – seja ele doença ou não – para todo mundo.
"- Lena!
É estranho como reconheço instantaneamente a voz, embora só a tenha ouvido uma vez, por dez, quinze minutos, no máximo - é a risada que corre sob ela, como alguém se inclinando para contar algum segredo muito bom no meio de uma aula muito chata. Tudo se congela. O sangue para de circular em minhas veias. Minha respiração para. Por um segundo até mesmo a música some, e tudo o que ouço é algo firme, baixo e bonito como uma batida distante, e penso: Estou ouvindo meu coração, mesmo sabendo que isso é impossível, porque meu coração também parou. Minha visão consegue focar-se novamente, e tudo o que vejo é Alex, usando os ombros para abrir caminho pela multidão para vir até mim."
Lauren Oliver escreve de uma maneira intensa. A narrativa é em primeira pessoa, pelo ponto de vista de Lena, e o fato de a garota ter de se despedir em breve da vida como ela conhece a faz refletir o tempo todo. Todas essas reflexões – que no início são suaves, dentro dos limites daquilo que ela sempre aprendeu, mas que ganham força com o decorrer de suas experiências – conseguem nos inserir no mundo da personagem e entender como as coisas fogem do controle e se tornam um turbilhão.
Nesses anos desde o lançamento do livro, li bastantes resenhas sobre Delírio, e sei que muitos leitores acharam Lena irritante. Isso, porém, não aconteceu comigo. Lena cresceu acreditando em algo que era correto para ela, e sei que não é fácil ver tudo deixar de fazer sentido em tão pouco tempo, já que a base de sua vida foi construída sobre aquelas "verdades". Não é fácil se sentir sem chão, até que consiga pensar por si mesma. Foi isso que aconteceu com a personagem, tudo que ela acreditava precisava ser revisto, e quem é que não resiste à mudança quando ela se apresenta, mesmo que a mudança aconteça apenas em nós mesmos?
Além disso, o livro permite uma reflexão profunda sobre o amor. Alguém já parou para pensar em quantos absurdos acontecem todos os dias em nome desse sentimento? É esse mal que a sociedade, no contexto do livro, tenta evitar. Só que evitar o amor é evitar a vontade, é evitar os anseios, os desejos, a força de conseguir e lutar por algo. É impedir a criatividade, a música, a dança, as risadas, o choro e o sofrimento. É vetar experiências.
"Instantes, momentos, meros segundos: tão frágeis, lindos e indefesos quanto uma borboleta voando contra o vento forte."
E, mesmo que a princípio não queira, Lena se afoga nessas experiências. E nós, leitores, somos puxados para o fundo junto dela. Há muito, muito tempo, eu não me envolvia tanto emocionalmente com um enredo romântico, e Delírio conseguiu fazer isso comigo. Eu quis gritar, esmurrar algo, ou só chorar quietinha no meu canto; quis sentir e viver tudo, de bom e de ruim, que o amor poderia me dar.
No fim, eu não pude acreditar no caminho que a autora preferiu tomar para a história. Foi surpreendente, enganador, e tudo em que consigo pensar agora é no quanto eu preciso saber o que acontecerá em Pandemônio, segundo volume da trilogia.
site:
http://conjuntodaobra.blogspot.com.br/2015/09/delirio-lauren-oliver.html