Mathias Vinícius 30/08/2023
Um comentário sobre: Todos os Belos Cavalos
Antes de falar sobre o livro, gostaria de compartilhar como cheguei até ele. Durante minha infância, nunca tive interesse para a temática do velho oeste. Sempre achava chato e meio que sem sentido um bando de gente andando a cavalo no deserto, com o sol sob suas cabeças, tiros de revólveres para todos os lados, animais de carga indo e vindo, além de outras características comuns, como chapéus de cowboy, selas e laços, e pessoas vivendo suas vidas pacatamente, ora correndo atrás de bandidos, ora sendo os mesmos.
Existe um elemento particular que me faz esquecer que um dia eu já desgostei dessas coisas: a memória afetiva. Ela vem e me faz lembrar do meu avô Luiz.
Que melhor pessoa para personificar um pacato cidadão de um lugarejo que seu Luiz? Meu avô era esse homem. Nascido na roça, na Usina Santa Maria, com uma família grande de 7 irmãos e indo trabalhar em casa de família desde os 7 anos. Como eu poderia não gostar de algo que meu avô viveu? Talvez por conta de minha tenra idade, eu não poderia compreender aquilo. Mas hoje, com meus 26 anos e tendo sido privilegiado por ter passado dias incríveis ao lado dele, eu posso dizer que eu consigo entender porque toda a ideia de velho oeste agradava o meu avô.
Mas a história aqui não é sobre o meu avô, embora ele mereça todos os créditos por ter ao menos insistido em me fazer assistir aos filmes de bang-bang com Clint Eastwood, Marlon Brando, Viva Zapata, Por um Punhado de Dólares, ou quando, da vez em que eu estava tocando violão na varanda de casa, ele chegou e ficou todo empolgado ao me ver tentar tirar a música House of the Rising Sun, mas que eu ainda acho que ele estava confundido com alguma música do Andorinha Barbosa ou do Francisco Alves.
Ah, meu avô, como você faz falta em horas assim, para que eu pudesse curtir esses filmes, músicas e livros com você! Infelizmente, minha imaturidade não me deixava entender sobre essas coisas, mas agora corro atrás desses momentos perdidos. Quando escuto as músicas do seu tempo, meus olhos ficam marejados e recordo das boas lembranças que vivi com você.
Dito essas palavras, vamos ao livro.
No mês julho eu estava jogando Red Dead Redemption 2 (SOBRE JOGO: seguimos na pele do fora-da-lei Arthur Morgan e do bando de Van der Linde, liderado por Dutch Van der Linde. O enredo gira em torno das tentativas do bando de sobreviver em um mundo em rápida transformação, à medida que a era do banditismo dá lugar à modernização e à lei. Lealdade, família, honra e moralidade são alguns dos temas abordados em meio a um cenário de terra e assaltos, fugas e conflitos internos.) e concluindo o jogo, eu estava mais que imerso dentro daquele universo e não queria abandona-lo.
Comecei a ir em busca de livros que tivessem semelhança com a história do jogo e depois de pesquisar cheguei no autor Cormac McCarthy, um dos autores norte-americanos mais famosos do século XXI. Conhecido pelos livros Meridiano de Sangue (1985), Onde os Velhos Não Têm Vez (2005), A Estrada (2006) e a trilogia da planície, com os livros: Todos os Belos Cavalos (1992), A Travessia (1994) e Cidades da Planície (1998). Tendo muitas opções para poder conhecer esse autor, acabei decidindo ir pelo que eu achei ter o enredo mais próximo do que eu esperava, Todos os Belos Cavalos.
A narrativa acontece no ano de 1949 com John Grady Cole, um jovem de 16 anos que acabou de perder o avô e vê a eminente venda da fazenda família onde vive. Revoltado com essa situação, Lacey Rawlins, seu amigo de infância e braço direito, ambos decidem em fugir daquele local e para uma jornada a cavalo pelas planícies áridas do sul dos Estados Unidos até o México, uma forma de autodescoberta por parte dos garotos. Além de ir ao encontro com o mais perigoso e forte dos sentimentos que o ser humano pode ter, o amor, com uma jovem mexicana, Alejandra, que também não consegue compreender porque precisa seguir com rigor os dizeres da mulher daquela época. McCarthy conseguiu me fazer mergulhar naquela paisagem desértica alaranjada que imaginamos quando se trata daquela região de fronteira do Texas com o Mexico. Não sei dizer se eu me fiz um quarto cavaleiro acompanhado os garotos, vê-los fazendo as descobertas de como o mundo não é morango, me fez lembrar quando eu comecei a trabalhar aos 19 anos. Não foi fácil e eu acredito que nem era para ter sido, mas das muitas situações que passei, assim como John, Rawlins e Blevins(não quero falar muito sobre ele, mas ele é importante para trama) elas foram importantes para o amadurecimento de cada um. “As cicatrizes têm o estranho poder de nos lembrar de que nosso passado é real. Os acontecimentos que as causam jamais podem ser esquecidos, podem?”
Mas o que me chamou mais atenção no livro é como o elemento que está sempre presente em cada uma das empreitadas narradas ao longo romance tem importância, o Cavalo e a Morte. O que seria das daquelas pessoas se não tivesse esse animal? O que seria do ser humano se o cavalo nunca tivesse se tornado um animal domesticado? De nada seriamos, eles são parte vital para toda transição ao longo das grandes porções de terra, nas guerras eles foram essenciais para as vitórias, além de servirem de companheiro para o cavaleiro ao longo de uma vida. A sua ligação é única, “as almas dos cavalos refletem as almas dos homens muito mais do que supõem os homens e que os cavalos também adoram a guerra. Os homens dizem que só eles aprendem isso mas ele disse que nenhuma criatura pode aprender o que seu coração não tem capacidade de conter[...] Disse que se a pessoa entendesse a alma do cavalo entenderia todos os cavalos que já existiram.”
Ainda sobre a morte, tema que somos apresentados no primeiro paragrafo do romance e vai nos acompanhar até o final do livro é importante para ser como um combustível que move o protagonista para uma nova direção em relação a sua vida. O psicanalista Jung considerava que a vida e a morte eram como rivais, mas sim como aspectos complementares da travessia humana que se configuram na jornada, perdas e ganhos diários, nos ritos de passagem, entre outros símbolos que metaforizam a morte como símbolo de finitude e renascimento.
Uma comparação que gostaria de abordar é a semelhança entre a trajetória de John Grady e a de outro jovem da literatura, Holden Caulfield, do romance "O Apanhador no Campo de Centeio" de J. D. Salinger. Embora à primeira vista eles possam parecer opostos em relação às suas personalidades, com John sendo idealista, romântico e de ação, enquanto Holden Caulfield é sarcástico, cínico e tenta ser um homem de lábia, suas semelhanças surgem quando ambos se sentem deslocados e solitários, buscando encontrar sentido para suas vidas por meio de jornadas de autodescoberta. John Grady parte em uma jornada física pelo México, que se transforma em uma busca interior por sua identidade e propósito. Holden, por sua vez, embarca em uma jornada emocional enquanto explora suas próprias angústias e tenta compreender o mundo ao seu redor. O profundo amor de John pelos cavalos e pela vida no campo é de certa forma similar ao valor que Holden atribui à autenticidade nas relações humanas, rejeitando a falsidade e a hipocrisia que percebe na sociedade.
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