debora-leao 28/05/2024
A diferença entre ouvir falar e ler uma obra...
Já tinha ouvido muito falar sobre este livro, mas não tinha, ainda, coragem de lê-lo. Muito "niilista", me diziam. E é. Pode ser pesado, pode incomodar. Mas também me encantou.
Mersault vive por si, não pensa sobre nada, reage com verdade e está distante de tudo e de todos. É um personagem cativante. Peguei-me querendo entendê-lo, analisar sua psique, ver seus sentimentos, trabalhar em cima do tão pouco que Camus nos dá. Mas não é possível. Qualquer preenchimento seria meu, seria a Débora agindo sobre Mersault, e acredito que era essa a intenção do autor. Mersault apenas é. Apenas vive. Poderia ter vivido diferente, mas viveu como viveu.
Comentário rápido sobre a escrita: as frases rápidas, sucessivas, dinâmicas, criam um ritmo frenético que alterna entre pensamento e fato, gerando uma densidade de linguagem na qual seu efeito é o pretendido, justamente. Não é por acaso. Quando se espera que o conteúdo seguirá de uma maneira, por exemplo, explorando aquele determinado flash de sentimento do narrador, tudo muda, o foco narrativo, as declarações, e nada mais segue. Não consegui deixar de me maravilhar com como cada vez que Mersault concordava (verdadeiramente, e não apenas para fingir) com algo que seu interlocutor lhe colocava, aquilo acabava ali. Afinal, o que mais haveria de ser dito, então?
Ainda que tenha ouvido muito falar neste livro, antes de lê-lo, em comentários do Vassoler e do Pondé, por exemplo, de fato acredito ter chegado a uma obra na qual o peso resta não nos seus atos (que já estão dados na própria orelha do livro), mas na forma do personagem enfrentar a vida. No seu comportamento, na sua ética. A experiência é única e difícil de explicar. O absurdo me fez querer rir, chorar, pensar e prosseguir. Este livro está com releitura prometida e agendada. Indispensável.