Renata CCS 10/06/2014Aprender a ser feliz numa terra de estranhos.
“E assim seria sempre. O tempo só existe porque se fazem coisas, uma após outras, e elas, quando são evocadas, surgem em novas realidades, e então não são mais as mesmas. Ojiichan sabia. E eu. O passado agora habitava outro espaço, surgia para justificar o presente, era reconstruído, e não se necessitava ter restauradores, que eles são rigorosos, preocupam-se com milímetros e cores exatas. O tempo é atemporal.” (Nihonjin – página 174).
NIHONJIN (que significa “japonês”) o primeiro romance de Oscar Nakasato, romance vencedor do prêmio Jabuti de 2012 é, antes de mais nada, um livro elegante e delicado, escrito com zelo e prudência, sem excessos. Através da pequena família Inabata, que chega ao Brasil para trabalhar nas fazendas de café, o autor conta a história da imigração japonesa no início do século XX. E como a grande maioria dos imigrantes japoneses, os Inabata sonhavam em fazer fortuna por aqui para poder retornar ao seu país natal e abrir seu próprio negócio. O que não esperavam, no entanto, era confrontar um trabalho tão pesado e uma cultura tão diferente.
Um romance simples, sutil, narrado com firmeza (e fineza!), com aparência de baú de recordações, onde Nakasato resgata um tempo que parece perdido ou esquecido. Ele descreve com suavidade a difícil adaptação do imigrante japonês em tentar manter suas raízes e sua cultura – e seus valores milenares, tidos como únicos e verdadeiros - em um mundo completamente distinto ao que conheciam.
O que Nakasato, neto de imigrantes japoneses, conta através da história dessa família é uma pequena amostra de vida das tantas famílias de estrangeiros que vieram morar no Brasil. As lembranças familiares fluem com uma ternura quase poética, embora, em diversas passagens, misturem euforia e encanto, dramas e perdas. Uma história com altos e baixos, decepções, alegrias, surpresas e um pouco de conflito que os personagens vivem ao tentar manter sua identidade cultural, que vai se dissipando, a custa de muito orgulho, sentimento de exclusão e preconceitos declarados.
Sem tomar partido de nenhum dos lados, o autor apresenta a luta entre duas visões de mundo de um mesmo povo: aqueles que preferem continuar fiéis ao Japão Imperial e aqueles que, conscientes de sua nova condição, preferem se adaptar ao mundo que agora é seu lar. Descreve com aparente simplicidade as tensões que surgem com o choque entre gerações e o inevitável descompasso imposto pelo tempo.
Acho que poucas obras brasileiras se preocuparam em retratar as reais dificuldades do imigrante. Aquela velha história de que somos um povo cordial e receptivo costumam camuflar o preconceito ao imigrante e a forma quase predatória com que foram tratados todos aqueles que deixaram seus países de origem, pelas mais variadas razões. NIHONJIN é uma dessas gratas exceções. A cada capítulo uma camada de informações é acrescentada ao conflito de um desenraizamento quase forçado. Um outro grande mérito do livro é registrar o momento da imigração japonesa, abrindo espaço a um capítulo da história do Brasil ainda pouco explorado na literatura nacional.
Além de ser uma competente reconstrução histórica da imigração japonesa, o livro aborda, de modo sensível e ao mesmo tempo direto, a vida de personagens com os quais facilmente nos identificamos. O leitor sente-se se inserido nas angústias de cada um deles, e sente-se próximo por perceber que alguns conflitos são comuns a todos nós: são conflitos humanos. E tudo isso Nakasato consegue fazendo uso de uma linguagem direta, reflexiva, sem firulas, que não afasta o leitor comum, mas, ao mesmo tempo, não entedia o leitor mais exigente.
Por tudo isso - e não só - é totalmente recomendado, é um ótimo romance e merece o destaque que recebeu. Então leia! Você não ficará decepcionado.