Otávio - @vendavaldelivros 22/04/2024
“O crime era um acidente psicológico, virtualmente um ato impessoal; para as vítimas, era o mesmo que terem sido mortas por um raio. Com uma única diferença: tinham vivido um terror prolongado, tinham sofrido.”
Acreditar na maldade inata ou não é uma questão filosófica antiga. As pessoas nascem ou se tornam más? Cometem atos de crueldade por terem, dentro de si, uma natureza maldosa ou por influência direta de suas criações, traumas e doenças mentais? O que entendemos por “mal” e “bem” pode não fazer sentido para a racionalidade do universo, mas é inseparável dos nossos conceitos de humanidade.
Publicado em 1965, “A sangue frio”, do americano Truman Capote, levou seis anos para ser concluído. O “romance de não-ficção” conta a história do assassinato, em 1959, de quatro membros da família Clutter por Perry Smith e Dick Hickcock, e a prisão, o julgamento e a execução de ambos. Além, é claro, dos efeitos do crime na minúscula Holcomb, no Kansas.
Faço uma confissão: achava que o livro talvez não funcionasse comigo. Não acreditava que a narrativa funcionaria porque o crime, apesar de brutal, não me chamava atenção. Mas a verdade é que esse livro não é sobre um crime. Ainda que muito se venda essa história como um “true crime”, ela é mais profunda do que um relato criminal.
Capote, de forma genial, vai nos levando aos poucos pelos cenários e pela vida daquelas pessoas, seus anseios, dúvidas, sonhos e rotinas. Tanto das vítimas quanto dos criminosos, vamos conhecendo um pano de fundo que envolve a mente de cada personagem da história. Fui fisgado por uma narrativa magnética, que prende e submerge o leitor, mas ao mesmo tempo cria a ansiedade em saber como a história irá se desenrolar, mesmo não havendo mistério a ser revelado.
Mesmo achando que Capote pode ter tornado a imagem principalmente de Perry mais vitimizada, é nítido como o crime foi uma junção de azar, falta de tratamento para doenças mentais e, claro, maldade. Uma série de coincidências infelizes que, como um raio, acabou com a vida de uma família pelas mãos de agentes de uma sociedade doente. A sangue frio é uma obra prima da literatura e um exemplo perfeito das complexidades e distorções humanas.