Arthur Sayão 17/07/2019
O retrato de uma época confusa
Stendhal, com O vermelho e o negro, abre o realismo moderno no século XIX, mas ainda ligado à escola anterior, o romantismo. Seu personagem principal (nosso herói, como o narrador o chama) é inserido no contexto político da época mais conturbada da história da França, o período pós-napoleônico e a restauração, amando e desamando as aristocratas na mesma proporção.
A história gira em torno de Julien Sorel, um ambicioso filho de carpinteiro de uma fictícia cidade do interior francês, Verriéres. Julien é diferente de seu pai e irmãos, num contraste que vai do físico mais esbelto (enquanto seus irmão são parrudos e grosseiros) ao intelecto mais sensível à acumulação de conhecimento e memória. Esse contraste evidente traz muitos problemas familiares, Julien sofre bullying e é agredido constantemente pelo pai e irmãos.
Seu exemplo de vida são as obras literárias que devora avidamente e um ex-militar, que lutou por Napoleão, nutrindo uma grande admiração pelo imperador. Adquire vasto repertório no latim vivendo sob a responsabilidade do pároco da cidade e, através dessa habilidade e religiosidade, é contratado para ser preceptor dos filhos pequenos do prefeito da cidade. E é nesse convívio que Julien começa a por em prática seu plano ambicioso para chegar à glória, tendo como exemplo o próprio Napoleão.
Durante a leitura, é percebido evidentemente o desdém dele pela nobreza, mas tem a certeza que só manipulando-a chegará ao objetivo, já que ele não tem sangue azul. Julien é alvo da paixão inadvertidamente e se entrega a ela em momentos diferentes. Esse jogo detalhado de sedução, avanço e retrocesso até a entrega absoluta à paixão, é o fio condutor do enredo. A diferença de personalidades das duas paixões de Julien, é pano de fundo para a crítica social de Stendhal. O medo pela volta das revoluções populares e o orgulho, são marcas registradas dessa nobreza em colapso.
Apesar de vários defeitos, não tem com não torcermos por Julien. Com um pouco do anti-herói clássico e ídolo pop, através de Julien, Stendhal vai descrevendo minuciosamente as artimanhas do orgulho, da polidez e hipocrisia das relações de um regime inacessível socialmente e em declínio.
Uma obra marcante, não só pelo caráter de transição de estilo e base para gigantes do realismo do século XIX, mas pela linguagem elaborada e estória comovente.