Marina 10/02/2014Impressionante a capacidade de Natsuo Kirino de trazer à tona o que há de pior no ser humano. Assim como no outro livro que li da autora (Do Outro Lado), ela constroi personagens fortes, solitários, e com pensamentos extremamente perturbadores.
O livro fala de duas irmãs, uma é absurdamente linda (Yuriko), de chamar a atenção por qualquer lugar que passe, e a outra é oposto na aparência, sendo muito feia.
Acontece que Yuriko e Kazue (uma mulher que foi colega das irmãs na época do colégio) foram assassinadas, e as duas estavam envolvidas com prostituição. A irmã feia, então, começa a contar toda a história delas, começando desde a época em que eram crianças. A narradora é uma pessoa muito ressentida e amargurada. Ela tem ódio da irmã, pois sempre viveu à sombra de sua beleza. Tamanha ficava a sua insignificância perto da beleza de sua irmã, que nem sabemos em nenhum momento do livro qual é o nome dela. Ela sempre foi conhecida apenas como "irmã da Yuriko".
O livro de Kirino faz um retrato bem pessimista dos japoneses e o seu individualismo. A autora faz diversas críticas à sociedade e como ela pode ser bem cruel, o que pode levar às pessoas ao isolamento, ou tomar atitudes pouco ortodoxas como forma de escapismo. E aqui, aliás, o termo "grotescas" pode se aplicar a diversos contextos, tanto em relação a personagens bem desequilibrados, quanto a situações práticas: o bullying, a desordem alimentar, os homicídios, a violência, a hipervalorização da imagem (onde não importa o quanto você é competente ou estude, suas oportunidades nunca serão as mesmas de alguém belo), a sexualização da mulher num país patriarcalista e machista, etc.
Gosto do texto da autora, é bem forte, e muito bem escrito. O começo é um pouco lento, mas entra num bom ritmo depois. Mas o teor é realmente intenso e deprimente, definitivamente não é uma história facilmente digerida por todos. Se alguém acha que os personagens em algum momento procuram redenção ou que existe a esperança de um final feliz ou alentador, este não é um livro pra você.
Um ponto que achei bem interessante no livro é que o tempo todo ele é narrado em primeira pessoa. Mas nem sempre pela irmã da Yuriko. Temos diários de outras pessoas e um depoimento do acusado dos assassinatos. Quando o livro nos dá outros pontos de vista, percebemos que todos eles tem uma declaração que nem sempre corresponde à realidade, pois ela muda dependendo de quem está contando a história. A irmã de Yuriko, por exemplo, nunca se referiu a si própria como uma pessoa feia, e sempre adota uma postura de superior, como se não se importasse com o que os outros pensam ou não se misturasse às outras pessoas por opção. Quando alterna o narrador, vemos que as pessoas descrevem ela como muito feia, praticamente uma monstrinha, e que ela sempre foi esquisita e marginalizada pelos colegas da escola. Mas as discrepâncias narrativas valem para todos os personagens, nunca sabemos o que é verdade, mentira ou tendencioso.
Com os dois livros que li da Natsuo Kirino, já deu pra perceber que ela é mestra em destrinchar o psicológico dos personagens, sempre com um texto muito visceral. Recomendo muito, mas apenas para quem gosta desse tipo de enredo mais pesado. Não deixem de ler também Do Outro Lado, que é ainda melhor que Grotescas.
Minha única ressalva é que os livros dela são publicados pela Rocco, que na minha opinião, é uma editora que deixa muito a desejar. Encadernação porcaria (daquelas que as folhas começam a descolar na primeira lida, a lombada também fica marcada), papel branco e revisão fraca (vários erros de digitação). Uma pena.