Jaqueline 05/02/2011Muitos talvez não conheçam a obra do antropólogo Carlos Castañeda. Interessado no estudo de plantas alucinógenas, Carlos acabou por encontrar no Novo México um índio que se tornou responsável por levá-lo a experiências acima de sua compreensão através do uso da mescalina, alucinógeno extraído do cacto peyote. Para entender “Nove plantas do desejo e a flor de estufa”, lançamento do mês de janeiro da editora Intrínseca, é mais do recomendável dar uma lida em “A Erva do Diabo”, livro que relata as vivências de Carlos com o peyote.
A história começa com a apresentação de Lila Nova, nossa protagonista nova iorquina. Publicitária de relativo sucesso, ela amarga um divórcio e busca não lidar intimamente com ninguém. Sem filhos, animais de estimação ou plantas, ela evita lidar com sua própria vida vazia. Ela leva um dia atrás do outro, pelo menos até conhecer David Exley, charmoso vendedor de plantas em uma feirinha de produtos orgânicos local. Decidida a começar a cultivar algo, ela compra uma planta e inicia sua jornada em um mundo fabuloso e desconhecido, repleto de mistérios e magia.
É assim que ela conhece Armand, dono de uma excêntrica lavanderia que acaba por se tornar seu guia no mundo das plantas medicinais. Atraída por uma samambaia-de-fogo, espécie raríssima, ela entra na loja como uma verdadeira Alice no País das Maravilhas. Armand a desafia: se ela fizer vingar uma muda da samambaia, ganha a chance de conhecer nove plantas secretas que guarda em um quarto no fundo da loja, associadas a um mito que garante que as mesmas garantem imortalidade, prosperidade, fertilidade, fama e poder a quem as possuir. Inocente e exultante de alegria ao conseguir completar sua missão, ela deixa soltos seus maiores defeitos: a ganância, o desespero, a libido desenfreada e a ansiedade. Por conseqüência disso, um terrível incidente ocorre na loja de Armand, e como “pagamento” ela acompanha seu amigo/guia em uma viagem ao México a fim de completar uma nova missão. É a partir daí, caro leitor, que a trama se desencaminha: o que prometia ser um romance divertido sobre superação, amizade e amor torna-se o relato de uma incessante bad trip nas florestas de Yucatán.
Acompanhando Lila na busca pelas nove plantas mágicas (gloxínia, zâmia, cacau, boa-noite, cannabis sativa (é, maconha) na forma de simsemilla, lírio-do-vale, mandrágora, chicória e datura), acabamos por conhecer estas e outras espécies interessantes, acompanhadas por descrições divertidas no início de cada capítulo cuja planta “comanda”. As aventuras de nossa urbana protagonista na floresta são aterradoras - não conseguimos parar de pensar “por que diabos você está aí?!”. Só mesmo um novo personagem para nos salvar do tédio neste ponto, e Diogo, nativo tesudo da região e guia da nossa protagonista pela floresta, cumpre essa missão com louvor. Moreno, ágil, sensual e dotado de um espírito livre e interligado à natureza em seu âmago, ele nos diverte e encanta, assim como faz Lila, que logo cai de amores e calores por ele.
O cultivo da simsemilla explicita uma carga sexual muito estranha de se ver associada a plantas e que permeia toda esta parte do livro. É como se Armand e os outros personagens principais estivessem em um “barato” muito próprio, de modo que o leitor não consegue compreender a adoração dos cultivadores por suas plantas “mágicas”, possuindo plantas apenas por possuí-las sob o ditame da magia e do poder. Entre uma lição e outra no meio do mato, dicas de cultivo e conexão com a vida selvagem, eu fiquei entediada, sem conseguir acompanhar as reações e a empolgação de Armand, personagem esquisitíssimo que surpreende no final, quando suas reais intenções são reveladas e uma décima planta do desejo surge.
O livro passa por um lengalenga sem fim a la Carlos Castañeda para terminar com um final digno dos mais clichês dos chick-lits. Apesar do começo promissor como um romance divertido, “Nove Plantas do Desejo...” se perde pelo caminho. Os rumos que os personagens tomam são contraditórios e negativamente surpreendentes, e a narração em primeira pessoa nos irrita: Lila não é uma protagonista cativante o bastante para segurar uma jornada como esta, apesar de todo seu processo de iniciação e suposto amadurecimento. Um exemplo: eu comecei a gargalhar feito louca quando Lila fez Diogo entrar em falência cardíaca tentando levá-lo para a cama usando raiz de mandrágora moída. A mulher é tão, mas tão desesperada que beira o ridículo. Senti muita vergonha daquela mulher branca e cosmopolita vivendo uma experiência transcendental com as ervas administradas há centenas de anos por xamãs e curandeiros de comunidades tradicionais. Nesse sentido, Lila Nova é a própria flor de estufa do título do livro: vivendo em um local artificial e protegido, que apenas reproduz as condições naturais de um mundo selvagem que pulsa lá fora. Por ter sido criada assim, perde sua força, razão e comicidade quando sai de sua “estufa” e passa para a vida natural, fraquejando enquanto outras espécies permenecem ok. Quando Lila cai na vida da floresta, percebe como via o mundo com olhos distorcidos e rasos, repletos de temores e ânsias bobas, mas não consegue se livrar disso até o final do livro. Talvez o personagem mais surpreendente do livro seja Exley - um coitado, no fim das contas. Dotado de muitas e ricas facetas, ele provoca os sentimentos mais contraditórios tanto em Lila como no leitor, mas termina com um final indigno. Por tantas ligações a outros livros com o consumo onipresente de ervas alicinógenas, "Nove Plantas do Desejo..." acrescenta pouco. Como um possível chick-lit, pouco diverte. Pena.
P.S: Exley é uma citação, pelo menos para mim, a Aldous Huxley, autor do livro “As portas da Percepção” - obra que também traz o relato do uso de plantas alucinógenas. O título foi inspirado em um poema de William Blake, o mesmo que acabou por inspirar Jim Morrisson a nomear sua banda de The Doors.
>> Resenha originalmente postada no site www.up-brasil.com