Ren Alc. 29/02/2024
"Homem que é homem volta atrás mas não se arrepende de nada."
Impossível não se emocionar e se debulhar em lágrimas já nas primeiras páginas desse livro tão especial e feito de maneira tão delicada.
"Você me ama ao cubo, eu te amo quadrado."
Pra minha vergonha nunca fui de ouvir MPB, cresci ouvindo artistas estrangeiros e tinha orgulho de encher a minha boca pra falar que não conhecia música brasileira nenhuma — apesar de conhecer algumas sim, mas mesmo assim forçava estranheza, antipatia, tudo por pura pirraça. Só depois que cheguei aos 20 e poucos anos, comecei a prestar atenção nas letras dos artistas brasileiros e dar bola para o vasto repertório precioso que temos na nossa MPB.
Cazuza foi um desses artistas que entrou no meu radar, mas não ao ponto de eu sentir curiosidade sobre a pessoa por detrás, abaixo, acima, de lado, ou que for, que escrevia essas canções tão profundas. Mas essa semana, bem do nada, decidi que leria algum livro sobre ele após ouvir uma participante de um reality (ahãm, você tá certo em pensar em exatamente nesse reality e nessa participante), citar um trecho da música dele. Sei lá, me deu alguma neura e decidi que leria algo sobre ele, com ele, o que fosse. Só queria saber mais sobre o artista. Dito e feito: peguei Só as mães são felizes (mas não sem antes querer trapacear pra chegar na linha de chegada e ter colocado aos mãos em Cazuza - Segredos de Liquidificador; é claro que não prestou, no meio do caminho decidi que teria que ler a história dele do começo e fui atrás de Só as mães são felizes).
Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, teve todo o cuidado e respeito aos fãs e até mesmo ao seu próprio filho, a contar absolutamente tudo, sem esconder nada — mostrando uma vulnerabilidade na sua força e caráter de não deixar nada de fora: suas falhas, as falhas dele; seus defeitos, os defeitos dele; o quão amorosa e intensa era toda a família. Uma biografia nua e crua, e muito necessária para se entender quem foi o gênio das lâmpadas musicais daquela época.
A força e coragem dessa mãe (e desse pai) é impressionante, mas a do Cazuza?! Meu Deus, esse menino (e sim, agora na minha concepção ele será um eterno menino, garoto... cazuza!) foi tudo! Corajoso, forte, admirável diante uma doença que matava naquela época. Brilhante e iluminado até o fim. Cazuza, parece, que foi um refresco em meio a um redemoinho que é o mundo. Um menino espetacular, único, especial assim como os pais o chamavam.
Viveu intensamente e segue vivo através de sua arte. Esse sim soube viver. Valorizou a vida ao máximo. Sublime. Genial. A cada página que eu lia, mais um sentimento de encantação e raiva cresciam dentro de mim — encantamento pelo menino que adorava viver e raiva pelo menino que estava fadado a ir muito cedo para alguma aventura desconhecida e não iria mais poder alegrar a vida de familiares, fãs, da sociedade.
Mesmo que o livro tenha me feito chorar bastante, também me causou gostosas risadas, o que acredito que foi uma experiência que todo mundo que conviveu com ele passou bastante. Recomendo muitíssimo a leitura pra quem é fã ou não — eu não era, mas agora sou —, te dá um insight gigante sobre como funcionava as coisas na década de 70, 80... até mesmo de 50. Felizmente, hoje pessoas com AIDS conseguem levar uma vida normal e viverem até os 80 anos, diferente da época de Cazuza — o que é uma tremenda pena, pois imagine: o que hoje Cazuza estaria aprontando nesse novo mundo tecnológico e com ciência avançada?!
Termino a resenha com o poema (só um trecho) que o Cazuza escreveu pra sua avó paterna, aos 17 anos, e só após 23 anos do poema escrito, sua mãe Lucinha teve acesso a ele e portanto, pediu que Frejat fizesse um arranjo para que o ex-namorado e amigo até o fim de Cazuza, Ney, interpretasse (e ele o faz lindamente, recomendo que ouçam a canção):
Hoje eu acordei com medo, mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás
Incrível livro, incrível vida que esse gênio levou, todas as palmas para Cazuza e sua família que foram até o fim (e além) com ele.
PS: Revista VEJA e Est. de SP deveriam ter saído de circulação faz muito tempo. Uma nojeira ler o que eles fizeram com Cazuza no seu momento mais frágil. Como a imprensa brasileira é cruel e por muitas vezes, sem caráter algum.